CARTA PASTORAL PARA O ANO 2025-26
No caminho da Escuta e do Acolhimento
Queridos irmãos e irmãs!
Deus nos dá a graça de continuarmos a caminhar e, com, alegria, vamos dar inicio a um novo pastoral. Seja ele mais uma etapa que renova os nossos corações. A esperança é motor que nos põe a caminho; é luz que nos ilumina mesmo nas noites escuras da vida (Papa Francisco). Este momento de calamidade que se vive em algumas das nossas ilhas, devido às fortes chuvas do dia 11 de agosto, para muitos irmãos nossos, é uma autêntica noite escura e fria. No meio da noite escura, vamos em busca da fonte e só a sede nos pode guiar. Na noite escura da alma, nas tempestades e dificuldades da vida, Deus é o nosso guia (cf. S. João da Cruz, Noite escura da alma).
Prosseguimos rumo ao Jubileu de Prata da Diocese de Mindelo que ocorrerá no ano pastoral 2028/29. Neste segundo ano do quinquénio pastoral, percorrido em sintonia com o Jubileu de esperança, o foco é escutar e acolher, conforme o que temos planeado: 2024 a 2026 – escutar e acolher; 2026 a 2029 – celebrar e anunciar.
A dinâmica sinodal, que agora entra na fase de implementação e cujas Pistas, emanadas pela Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e aprovadas pelo Papa Leão XIV já se encontram disponíveis, nos convida e incentiva a prática da escuta e do acolhimento. Escutar profundamente e com o coração, é próprio de Deus e daqueles que priorizam a vida interior e a atenção aos outros. Não se pode acolher bem se antes não se escuta. Marta e Maria do Evangelho de S. Lucas (10, 38-41) são bem um ícone da escuta e do acolhimento. Marta acolhia o Senhor em sua casa, Maria sentada e atentamente escutava o Mestre, o que lhe mereceu uma apreciação positiva: Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada. É comovente aquele desabafo de Deus a Moisés: eu bem vi a opressão do meu povo no Egipto, escutei o seu clamor, conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar… (cf. Ex 3, 7-8).
Dizíamos na Carta Pastoral do ano passado, partindo da caminhada dos discípulos de Emaús: «Quando no caminho nos abrimos à escuta, somos introduzidos na autêntica escola de formação que leva à celebração na mesa do amor, e que por sua vez, desperta para o anúncio. Da Missa partimos para a Missão – Ite Missa est. Do encontro com Cristo Vivo surge a pressa, motivação e entusiasmo para partir de novo, mesmo que seja noite…»
Nos nossos dias, a arte da escuta é cada vez mais difícil, aliás, muitos nem estão conscientes da sua importância para a vida pessoal e comunitária. Passamos a vida a ouvir, muitas vezes ruídos e barulhos, consumimos muita música, somos invadidos por toda a espécie de propaganda, as notícias chegam por todos os lados e em catadupas, mas não somos capazes de escutar o outro que está ao nosso lado e com quem nos cruzamos num emaranhado de situações, muitas vezes carregando tremendos fardos e opressões. Há gente a naufragar sozinha no meio da multidão, outros não têm quem os escute seriamente, por isso não partilham o que lhes vai de mais sagrado ou dolorido na alma. Esse é o drama, sobretudo de muitos jovens, mas não só. Eleva-se o número daqueles que chegam sozinhos à situação limite da vida. A comunidade cristã é chamada a ser «porto de abrigo», espaço de escuta e acolhimento, ao jeito de Deus que com amor e solicitude observa e acompanha os passos do seu povo. Dizia o Papa hoje, por ocasião da festa de S. Agostinho que celebramos: «num mundo repleto de ruídos, é preciso ouvir a voz dos pobres e marginalizados».
A Igreja, as nossas paróquias e todas as comunidades que se reúnem em nome de Cristo, haviam de exercer a missão de ser «tendas» de escuta e acolhimento. Disso mesmo falava o Papa Leão XIV no início do seu pontificado: somos “uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, que constrói o diálogo, sempre aberta para acolher a todos, como esta Praça, de braços abertos, a todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, de diálogo e de amor” (Primeira saudação e bênção, 8 de maio de 2025).
O Papa continua a priorizar o que o seu antecessor pregava e praticava com muita convicção: acolher, proteger, promover e integrar como expressão do agir com compaixão, contrastando como a tendência que, infelizmente, emerge hoje em muitos líderes políticos e correntes de pensamento.
Para este ano pastoral, vamos fazer os percursos de implementação do Sínodo em todas as paróquias da diocese e nos diversos grupos e movimentos, segundo a proposta da Secretaria Geral do Sínodo (percursos de implementação nas Igrejas locais: junho 2025 – dezembro 2026), apontando já para as assembleias de avaliação na Diocese que ocorrerão no primeiro semestre de 2027. «A fase de implementação tem como objetivo experimentar práticas e estruturas renovadas, que tornem a vida da Igreja cada vez mais sinodal, partindo da perspetiva global delineada pelo Documento Final (DF), com vista a um desempenho mais eficaz da missão evangelizadora». Assim, é dever dos pastores e agentes de pastoral mais comprometidos, fazer com que os nossos fiéis, os grupos e as comunidades tenham acesso, conheçam os conteúdos e comecem a utilizar o Documento Final do Sínodo. A fase de implementação é um processo eclesial em sentido pleno, que envolve todas as Igrejas como sujeito da recepção do DF e, portanto, todo o Povo de Deus, mulheres e homens, na variedade de carismas, vocações e ministérios com que se enriquece e nas diferentes articulações em que a sua vida se realiza concretamente (pequenas comunidades…, paróquias, associações e movimentos, comunidades de consagrados e consagradas, etc.) (Pistas, pág. 9).
Convém ter presente que toda esta dinâmica deverá acontecer em espírito de escuta e oração. A leitura do DF deve ser apoiada e alimentada pela oração, tanto comunitária quanto pessoal, centrada em Cristo, mestre da escuta e do diálogo (cf. DF, 51) e aberta à acção do Espírito (pág. 17).
A Equipa Sinodal Diocesana que desempenhou um papel extraordinário na 1ª fase – A Consulta ao povo de Deus – está de novo em acção e será reforçada para nos ajudar nesta 3ª fase – A Implementação do Sínodo na Diocese. A 2ª Fase foi o Discernimento dos Pastores (as duas Sessões da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos: l4 -29 outubro de 2023 e 2 a 27 de outubro de 2024). Até meados de setembro, o Secretariado Permanente do Conselho Pastoral Diocesano em concertação com a Equipa Sinodal fará chegar orientações mais concretas para pormos em prática este programa pastoral.
Lembramos alguns marcos que definimos para os anos que se seguem e que foram apresentados na Carta Pastoral 2024-25: Assembleia Diocesana da Juventude para 2027; Exposição 25 anos da Diocese de Mindelo: Memória, Gratidão e Testemunho – fevereiro 2028 a fevereiro 2029; Visita Pastoral do Bispo a todas as paróquias durante estes 5 anos; organização de Evangelização e Missão; envolvimento das comunidades na preparação para o Jubileu dos 500 anos da Diocese de Santiago.
Deus abençoe o nosso tempo marcado por tantas crises; seja ele um Kairos, um tempo de oportunidade, de amadurecimento, de visitação, um advento para as nossas comunidades, que não podemos perder ou desperdiçar[1]. Maria Consoladora dos aflitos, Rainha da Paz e Mãe da Esperança, interceda por nós ainda peregrinos!
Mindelo, 28 de agosto de 2025, Memória Litúrgica de Santo Agostinho
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
[1] Cf. Tomás Halik, A Tarde do Cristianismo. O Tempo da Transformação, 41.
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2024-25
Esperança no caminho
Queridos irmãos e irmãs!
A Igreja que caminha – escuta, acolhe, celebra e anuncia.
A caminhada de Emaús (Lc 24, 13-35) elucida o itinerário que desejamos percorrer rumo ao Jubileu de Prata da criação da Diocese de Mindelo (2003 – 2028/29). O conceito de caminho define bem a nossa condição de peregrinos. Estamos num processo eclesial de caminhada sinodal, fortemente incentivada pelo Papa Francisco. Que a nossa oração desde já seja uma verdadeira contribuição para que os participantes da assembleia sinodal e o povo de Deus em geral saibam escutar em alta-fidelidade aquilo que o Espírito tem a dizer à Igreja de hoje. O método de discernimento Diálogo no Espírito é para ser introduzido em todas as nossas práticas pastorais.
Foi no caminho de Emaús que os dois discípulos, ao escutarem o Senhor, sentiram uma transformação a operar-se no seu íntimo, a ponto de mais adiante exclamarem: Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras (v.32)? E chegados ao final daquela jornada, durante o gesto de Jesus na fracção do pão na mesa da «celebração», dá-se uma nova revelação e um novo fogo se acendeu neles: reconheceram Jesus Ressuscitado; há gestos que marcam!
Quando no caminho nos abrimos à escuta, somos introduzidos na autêntica escola de formação que leva à celebração na mesa do amor, e que por sua vez, desperta para o anúncio. A celebração consciente do Mistério Pascal em cada semana, em cada dia, é garantia de que a caminhada não fica por aqui; da Missa partimos para a Missão – Ite Missa est. Do encontro com Cristo Vivo surge a pressa, motivação e entusiasmo para partir de novo, mesmo que seja noite, para partilhar com os irmãos, a grande e bela notícia da qual somos testemunhas: Ele está vivo, encontrámo-l’O no caminho. Da fé em Cristo vivo renasce a esperança!
Quis o Conselho Pastoral Diocesano, no seu primeiro encontro, abril de 2024, que tomássemos cinco anos – um quinquénio – de programação pastoral que nos conduz à celebração dos 25 anos da criação na diocese. Esta programação tem como lema orientador: Diocese de Mindelo – Jubileu dos 25 anos | Peregrinos da Esperança: escutar, acolher, celebrar e anunciar. Este quinquénio pastoral, percorrido em sintonia de esperança, fica planificado em duas partes: de 2024 a 2026 – escutar e acolher e de 2026 a 2029 – celebrar e anunciar.
Nestes anos de gratidão e rumo ao jubileu, desvendar caminhos de esperança é um imperativo que se coloca para a vida pessoal e comunitária; a humanidade tem atravessado momentos difíceis e conturbados que, todavia, permanecem. Mesmo assim, o olhar cristão sobre as realidades do tempo presente, lança-os a procurar e a percorrer por caminhos de esperança. Em qualquer situação, seja de alegria, paz e consolação ou de tristezas e angústias, as pessoas estão sempre buscando e confirmando sua esperança. Um elemento distintivo dos cristãos é o facto de estes terem um futuro: não é que conheçam em detalhe o que os espera, mas sabem em termos gerais que a sua vida não acaba no vazio. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova (cf. Bento XVI, Spe Salvi, 2.3).
Os membros do Conselho Pastoral sentem que devemos continuar na senda da escuta activa da Palavra de Deus (conhecer melhor quem é Jesus Cristo), Palavra traduzida em oração, Palavra que forma e edifica; é urgente apercebermo-nos daqueles que caminham desanimados ao nosso lado ou batem à nossa porta, sedentos de amor e alegria – onde e como está o teu irmão? (cf. Gn 4, 9). Assim, ser Igreja acolhedora e aberta a todos (todos, todos, todos) e que procura formas de acompanhar os que se desacreditaram da vida e do futuro é nosso desafio. Um mundo sem Deus é um mundo sem esperança (cf. Ef 2,12). Neste sentido, há que contemplar na programação pastoral, um vasto espaço envolvendo pastores, religiosos e leigos, para acompanhar pessoas e grupos (jovens, famílias). Porque não retomar a prática do acompanhamento pessoal e espiritual que outrora deu muitos frutos nas comunidades cristãs?
A formação, tem sido e deve continuar a ser uma constante nas nossas comunidades; formação que seja sobretudo formar o coração e fazer chegar à estatura de cristão adulto na fé e comprometido com a edificação do Reino. Formação para o acolhimento, formação de catequistas (em ordem à instituição deste ministério), de jovens, novos diáconos permanentes, formação litúrgica, formação para a missão (sonhamos com uma Igreja toda ministerial e missionária), formação específica de modo a profissionalizar e tornar mais eficaz os nossos serviços e secretariados.
As celebrações jubilares que se avizinham a curto e a longo prazo: a) o Jubileu dos 2025 do nascimento de Jesus Cristo com o tema Peregrinos da Esperança; b) os 25 anos da nossa Diocese e c) os 500 anos da criação da Diocese de Santiago (30 da nossa) com o lema: recordar o passado com gratidão, viver o presente com paixão e abraçar o futuro com esperança, constituem boas ocasiões para renovar alegrias e esperanças e para nos comprometermos seriamente na transformação do mundo e da sociedade através do anúncio firme e generoso do Evangelho de Jesus Cristo.
No início de mais um ano pastoral, nos é pedido maior compromisso com os caminhos da esperança e inclusão social. São muitas as referências bíblicas que aliciam a nossa esperança: “Somente em Deus eu encontro paz e nele ponho minha esperança” (Sl 62,6). Os profetas em diversas ocasiões ajudam-nos a colocar a esperança em Deus, especialmente nos momentos de provação: “Tu és a única esperança do povo de Israel, tu és aquele que nos salva quando estamos em dificuldades” (Jr 14,8). A esperança, segurança de nossas vidas, é como uma âncora: “A esperança, com efeito, é para nós como uma âncora da alma, segura e firme” (Hb 6,19).
Um Plano Pastoral com um leque variado de propostas e iniciativas está em fase final de elaboração, por uma Comissão Coordenadora da Pastoral Diocesana (CCPD) e brevemente será publicado como complemento desta Carta Pastoral. Todavia, anuncio desde já algumas delas: a Peregrinação Diocesana a Roma – julho/agosto de 2025, contemplando outros santuários importantes. Para S. Inácio de Loyola, a esperança é um modo de viajar, de peregrinar. Somos provocados, em nossas peregrinações cotidianas, e neste quinquénio a viajar em “modo esperança”, para avançar pelos caminhos do Senhor, que são amor e verdade (cf. Sl 24 (25)); a Assembleia Diocesana da Juventude para 2027; uma Exposição 25 anos da Diocese de Mindelo: Memória, Gratidão e Testemunho – fev 2028 a fev 2029; Visita Pastoral do bispo a todas as paróquias durante estes 5 anos; programação organizada de Evangelização e Missão (com o apoio das Apóstolas da Palavra e outros); implementação das dinâmicas do Sínodo na Diocese rumo aos 25 anos; envolvimento das comunidades na preparação para o Jubileu dos 500 anos. Juntamente com estas iniciativas a decorrerem ao longo dos anos, propõe-se a renovação de alguns secretariados diocesanos e a criação de outros serviços; uma aposta séria queremos pôr na pastoral da comunicação. O Conselho Pastoral visa que, a seu tempo, possamos formar os nossos fiéis para uma maior participação e corresponsabilidade na vida da Igreja Local. Neste âmbito, estamos a estudar como introduzir a pastoral do dízimo em toda a diocese.
Maria, Mudjer feliz / Rainha qui Nhor Dés leba pa céu. / Nu ta pidiu cu amor, sperança e fé, / Roga pa nós, djunto di bu Fidjo Jesus (ó Maria)!
Ilha do Sal, 15 de setembro de 2024, Festa Litúrgica de Nossa Senhora das Dores
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2023-24
Enviada a todos
Levantando-se, partiram apressadamente a anunciar a Alegria do Evangelho (cf. Lc 24, 33)
Os jovens e todos nós1, trazemos e guardamos na memória e no coração os maravilhosos dias da JMJ Lisboa 2023 inspirados na atitude de Maria: Levantou-se e partiu apressadamente (Lc 1, 39). O seu ser, recém morada do Verbo de Deus, não podia guardar Aquele que o universo inteiro não pode conter, mas precisava de O levar à sua prima para fazer despontar a alegria do Espírito Santo. A Igreja, ontem, hoje e sempre, encontra em Maria um modelo e um incentivo para partir em missão.
Novo ano pastoral, é tempo de voltar em tom de esperança quando a nossa Diocese se prepara para celebrar 20 anos da sua criação. Este escasso tempo da nossa história não justifica cansaço numa Igreja jovem, com um clero maioritariamente juvenil, com muitos jovens e famílias jovens, mas essa, é uma tentação que sempre nos espreita. Não queiramos descer do barco para lavar as redes, resultado de algum cansaço ou desilusão; antes, pelo contrário, deixemos Jesus subir à nossa barca e prenunciar aquela Palavra que sempre alenta os seus discípulos. «A espiritualidade do recomeço. Não tenhais medo. A vida é assim: cair e recomeçar, aborrecer-se e recobrar a alegria. Aceitar esta mão que nos dá Jesus. Hoje continua a passar pelas margens da existência para despertar a esperança e dizer, também a nós, como a Simão e aos outros: «Faz-te ao largo; e vós lançai as redes para a pesca» (Lc 5, 4).»2 Nós prosseguimos, ousamos, continuamos a remar juntos no poder do Seu Espírito.
Diz-se que a Igreja passa muito tempo em reuniões e em sínodos, quando era necessário passar à acção. Sem fazer juízo de tais afirmações, há que reconhecer que é urgente voltar definitivamente para a missão: Precisa-se de uma Igreja viva, missionária e enviada a todos. Anunciar o Evangelho aos homens do nosso tempo é sem dúvida alguma um serviço prestado à comunidade dos cristãos, bem como a toda a humanidade3. Nestes tempos de incerteza e de desorientação, todos e cada um dos baptizados, membros da Igreja, devem desempenhar cada vez com mais amor, zelo e alegria4, a sua condição de discípulo missionário.
Nos últimos anos realçamos a importância da comunidade, bem como da família, a educação para os valores, a ousadia da caridade… Duas razões nos projetam e levam a partir: o mandato expresso do Senhor – ide por todo o mundo e anunciai a boa nova e o declínio vertiginoso do mundo no que diz respeito a razões de esperança e caminhos para a vida. Por algum tempo (na tormenta inicial da pandemia) pareceu-nos despertar para a emergência de uma nova fraternidade, pois, nas situações limite, é mais fácil reconhecermo-nos filhos do mesmo Deus Pai, embarcados na mesma aventura. Por instantes acreditamos que tinha voltado a confiança em Deus, Aquele que tem em Suas mãos o destino dos povos e que chegara o tempo de viver a solidariedade e o cuidado do próximo; Infelizmente, foi sol de pouca dura, apesar de alguns sinais positivos em vários sectores.
Não muito longe de nós, continuam a afundar-se irmãos nossos nas águas do mediterrâneo sob os holofotes do velho e amedrontado continente; pelas ruas dos nossos bairros, caminhamos muita vezes, indiferentes e insensíveis, diante da sorte alheia dos infelizes, a fome grassa em várias latitudes do planeta sem que isso toque o coração dos que vivem acomodados, as ondas frequentes de violência fizeram instalar o medo e a insegurança no nosso «querido torrão», os inocentes e indefesos são feridos na sua dignidade, alguns jovens, adolescentes e adultos nos surpreendem com a súbita subtração da sua vida. Falta alguma coisa! Sentimos ânsia de um mundo melhor, mais humano; falta o sal que dá sabor à terra e a luz que indica o caminho ao mundo. O Evangelho de Jesus Cristo, que estamos incumbidos de levar a toda a parte, é aquilo que verdadeiramente falta ao nosso mundo. O dom da Boa Nova da salvação, é libertação de tudo aquilo que oprime o homem, é libertação sobretudo do pecado e do maligno, na alegria de conhecer a Deus e de ser por ele conhecido.5
Preparamo-nos para celebrar 20 anos. Um marco gratificante na nossa história e uma oportunidade de abraçar entusiasticamente o desafio da missão, característica da Igreja sempre e em toda a parte. A missão é um gesto de amor, é pressa de partir para anunciar o amor que nos habita. Ai de mim se não pregar o Evangelho, diz o Apóstolo Paulo (1 Cor 9, 16). A missão é uma obrigação que se impõe, a partir de dentro. A humanidade por quem o Senhor deu a Sua vida, precisa que quem queira partir apressadamente, alegre e sem medo, para fazer Cristo presente nas noites escuras de tantos homens e mulheres. A alegria é missionária, dizia o Papa Francisco durante a JMJ 2023.
Quantos tiveram a graça do encontro pessoal com Cristo são impelidos a partir imediatamente. Os discípulos de Emaús, após aquele encontro à mesa, face a face com o Ressuscitado, «levantaram-se e voltaram imediatamente para Jerusalém» (Lc 24, 33) para anunciar a alegria de que Cristo estava vivo. S. Marcos termina o seu Evangelho dizendo que os discípulos, «partindo, foram a pregar por toda a parte» (MC 16, 20).
Pois, é hora de partir… ser Igreja em saída, capaz de estabelecer pontes e tecer redes de fraternidade, priorizando o encontro com aqueles que mais necessitam ouvir ecoar a feliz notícia: a esperança é possível porque Cristo Vive! Este anúncio é para todos, todos, todos mesmo. A Igreja de todos, onde há espaço e lugar para todos e ninguém está a mais6, é enviada a todos. Fazem parte do todos, as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos, os doentes, os idosos, os movimentos, cada um a seu jeito e dentro das suas possibilidades.
Às crianças e adolescentes da catequese lançamos o desafio do encontro com Jesus nos Evangelhos (ao menos na sessão da catequese); desenvolver a dinâmica de discípulos de Jesus e, simultaneamente, missionários, na família, no seu ambiente escolar e em todo o seu campo de acção. Incentivar a prática das boas acções quotidianas, a oração em família, às refeições, ao deitar e ao levantar-se, o testemunho de Jesus junto no seu ciclo de relações pessoais. Os responsáveis dos jardins infantis levem a sério aquilo a que chamamos o despertar para fé. São milhares de crianças que todos os dias, estão nos nossos espaços paroquiais. Deixai vir a Mim as criancinhas, dizia Jesus (Mt 19, 14). Vamos criar um programa de evangelização nos jardins das paroquias e das comunidades religiosas.
Jovens, não hesiteis em levantar-vos apressadamente para vos afirmar-vos como discípulos missionários de Cristo; não é fácil nesta sociedade, onde o estereótipo é excluir Deus e a dimensão espiritual; quando muito, tolera-se como um assunto particular, mas sem direito a marcar presença na esfera pública. É preciso levar Cristo a toda a parte, lá onde a situação parece mais delicada, nas escolas, onde, infelizmente, poderá haver professores que não respeitam a fé e a religião dos seus alunos e os lançam no ridículo; há que testemunhar Cristo nos ambientes sociais, na convivência, na rua, na festa, na dor, na dúvida, nas opções de vida. «Vós sois a esperança de um mundo diferente; com a ajuda de Deus, com tanta generosidade e apoiando-vos mutuamente, continuai a cavalgar as ondas do amor, as ondas da caridade, sede surfistas do amor!»7
Os que fazem parte de um grupo, não caiam na tentação de se fechar no seu pequeno ciclo, sejam jovens sem fronteiras, que criam pontes em vez de muros. Aqueles que se reúnem todas as semanas, uma vez ao mês saiam em missão: missão popular, visita às famílias, ir às praças e centros das cidades com campanhas de evangelização, encenações, teatro, música, arte, organizem festivais e outras atividades de animação em lugares públicos, tertúlias à volta do Evangelho e da vida, falem da morte, da guerra, da violência, da ecologia, do amor e da justiça, atendam os pobres, visitem os idosos. Talvez nessas dinâmicas sintamos que não estão preparados, que falta formação e conhecer melhor o Evangelho. Isso pode ser bom, se vos levar a aprofundar depois nos encontros essas áreas nos quais vos sintais mais inseguros e impreparados. É importante que os secretariados paroquiais da juventude e os grupos de jovens, aproveitando a dinâmica da JMJ, aprofundem e reflitam sobre os preciosos apelos, discursos e mensagens do Papa Francisco. Podemos começar a preparar já o Jubileu dos jovens, Roma 2025, desafio lançado pelo Papa.
Com as vossas paróquias vamos celebrar bem a Festa de Cristo Rei, como dia da Juventude, que este ano será no dia 26 de novembro. A Festa de Pentecostes pode ser um bom impulso para a missão e para a festa do encontro com outras culturas; no final do ano pastoral vamos organizar uma grande Assembleia e um festival da Juventude a nível da Diocese. Bom seria que, após a belíssima experiência da JMJ 2023, pudéssemos avançar para algumas dinâmicas nacionais da juventude. No âmbito da preparação dos 500 anos da Diocese de Santiago (2033) e 30 de Mindelo, a Comissão Executiva Nacional C 500, lançou o Projecto Geração 500 anos e, em concertação com os secretariados diocesanos da juventude, estão já em planos algumas iniciativas juvenis a ter lugar no verão de 2024, o jubilei dos jovens. Pretende-se que os jovens comprometidos na vida da Igreja, não sejam apenas destinatários das acções a serem postas em marcha, mas protagonistas dessa geração.
Universitários, a fé e a cultura, na história da Igreja conheceram momentos de tensão, mas também de profunda convivência e diálogo. Com o apoio da Pastoral Universitária, vamos nos organizar para nos meios académicos, fomentar espaços de reflexão e diálogo com a participação de pessoas capazes de ajudar no aprofundamento da relação entre a fé e a razão. Esperamos poder contar com a dinâmica da Escola Universitária Católica de CV para uma elevação das academias e para a comunidade em geral.
Não podemos esquecer os nossos idosos, que tiveram um papel importante na transmissão da fé, com o auxílio dos meios e possibilidades de que dispunham. Somos fruto da sua fidelidade e amor ao Evangelho e à Igreja. Podem ser, hoje, de certa forma muito útil à obra da Evangelização. A Igreja chama-lhes os missionários da oração. Nas nossas comunidades, o número de pessoas da terceira idade vai aumentando, por isso, para além do cuidado que lhes devemos prestar, poderíamos criar maneiras de se sentirem envolvidas no projecto da missão. Nos nossos programas pastorais, tenhamos presente o Dia dos Avós, instituído pelo Papa Francisco – 26 de julho, festa de S. Joaquim e Santa Ana.
As famílias são apóstolas das famílias. A primeira missão da família é testemunhar Cristo junto dos filhos e no lar. Em concertação com a catequese, do 1º ao 6º volume poderíamos ensaiar uma sessão de catequese em família (os pais preparam com os catequistas essa sessão a ser feita em casa). O Secretariado Diocesano da Catequese, no ano passado, quis incrementar essa modalidade em algumas paróquias. A família tem de ser um campo especial da escuta da Palavra que nos prepara para a missão: uma vez por semana a família reúne-se para ler e meditar as leituras do domingo e fazer um propósito familiar para a semana. Cada família procure adotar uma família necessitada de amor e ajuda e acompanhá-la e assisti-la no que estiver ao seu alcance. O Secretariado Diocesano da Família, nos dará mais indicações de como viver melhor este ano em família.
Missão é amor e caridade, é luz na vida! Temos famílias a viver tempos difíceis. Este é um ano em que iniciativas e gestos organizados em sintonia com as Caritas paroquiais e outros movimentos socio- caritativos podem ser um sinal visível do fogo do amor cristão que trazemos dentro. «Amar como Jesus: isto torna-nos luminosos, isto leva-nos a fazer obras de amor. Não te deixes enganar, minha amiga, meu amigo! Tornar-te-ás luz no dia em que fizeres obras de amor. Ao contrário quando, em vez de fazer obras de amor aos outros, só pensas em ti mesmo como um egoísta, então a luz apaga-se»8.
Missão popular! Este é um dinamismo que queremos incutir com força em todas as comunidades paroquiais. O presente ano pastoral é para ser vivido em permanente estado de missão. Lançamos às Vigararias e às suas paróquias o desafio de organizarem bem estas missões populares, envolvendo todas as forças vivas, movimentos, congregações e institutos de vida consagrada residentes no território. Missões intensas e bem organizadas, porta a porta, pelos bairros, com a duração de 15 dias a um mês. Para reforçar este projecto evangelizador, queremos convidar a Comunidade Shalom, Obra de Maria, as irmãs Apóstolas da Palavra ou outras comunidades missionárias para uma presença especial em ordem à animação missionária das comunidades (formação, oração e ação). Este ano é uma oportunidade para se criar nas paróquias, grupos de animação missionária que integrem jovens, famílias, movimentos, religiosos e relançar a «Infância Missionária» que, no passado, deu bons frutos no nosso país.
À Radio Nova de Maria sugerimos a criação de um programa semanal – Paróquia / Igreja em missão.
Há uns anos, determinamos que o Dia da Igreja Diocesana é último domingo de fevereiro (este ano, dia 25); este ano, este dia, deve merecer uma especial sinalização e celebração. Para culminar o ano pastoral, está pensada uma grande festa da família diocesana (meados de Julho 2024) com delegados de todas as paróquias, mas mobilizando uma concentração das ilhas de SV e SA, com especial atenção para os jovens (JMJ um ano depois), uma feira vocacional, um painel missionário. Para apoiar as dinâmicas e organização deste ano de missão, constituímos uma comissão diocesana para este efeito, que em devido tempo nos fornecerá sugestões e indicações mais precisas. Este será o ano em que se vai reunir pela primeira vez o Conselho Pastoral Diocesano, cujos estatutos já foram criados. Feliz coincidência de isto acontecer quando a Igreja vai realizar a primeira edição da Assembleia sinodal sobre a sinodalidade da Igreja: comunhão, participação e missão. Eu mesmo, escolhido pela minha Conferência Episcopal para representar os meus colegas bispos, estarei no Sínodo dos bispos em Roma, durante todo o mês de outubro; será, com certeza, um tempo de bênçãos e graças para toda a Igreja, em comunhão com o Sucessor de Pedro. Conto com a vossa oração e comunhão!
Sinal de comunhão, solicitude e espírito missionário, são dois sacerdotes, recéns ordenados, o Pe. Justino Kaminguengue e o Pe. Ezequiel Chiangalala, que a Diocese de Benguela (Angola), põe à nossa disposição, já no próximo mês de outubro. Estarão na nossa Igreja Local a título fidei donum para uma colaboração pastoral e missionária. Ao Sr. Dom António Jaca, bispo de Benguela, a nossa gratidão e reconhecimento.
Deus abençoe a diocese irmã com muitas e santas vocações e que que esta partilha nos enriqueça espiritualmente e faça crescer em nós a fraternidade eclesial e universal.
Que o nosso ano pastoral seja um Kairós, um tempo de graça, de escuta da voz do Espírito, um caminho a percorrer juntos, alegres e em permanente diálogo e partilha!
Maria, Estrela da Nova Evangelização, a Senhora da Luz, nos ajude a recomeçar com confiança!
Mindelo, 8 de setembro de 2023, Festa da Natividade de Nossa Senhora
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
1 Os que tiveram a graça de participar na JMJ e os que acompanharam a partir daqui.
2 Papa Francisco, Homilia nas Vésperas com os bispos, os sacerdotes, os diáconos,
os consagrados, as consagradas, os seminaristas e os agentes da pastoral, JMJ Lisboa 2023
3 Cf. Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, n.1
4 Ibid.
5 Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, n.9.
6 Cf. Papa Francisco, JMJ 2023, Cerimónia de acolhimento no Parque Eduardo VII
7 Papa Francisco, JMJ Lisboa 2023, Angelus no Parque do Tejo e Encontro com os voluntários da JMJ, Passeio Marítimo de Algés, 6 de agosto.
8 Papa Francisco, Homilia na Missa de Envio da JMJ Lisboa 2023
Obs: Como sugestão de subsídios para reflexão e aprofundamento, temos:
As Exortações Apostólicas Evangelii Nuntiandi, Evangelii Gaudium, Christus Vivit; Documentos do Concílio Vaticano II: A Constituição Pastoral Gaudium et Spes – sobre a Igreja no mundo actual, o Decreto Ad Gentes – sobre a atividade missionária da Igreja, as Mensagens do Papa Francisco aos Jovens.
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2022-23
A Comunidade, Lugar de pertença e Vivência da Fé
Estimados irmãos e irmãs,
Neste novo ano pastoral, à semelhança do que vos escrevia, continuamos a celebrar em espírito de gratidão os quase 20 anos da Diocese e olhamos para o futuro que Deus nos oferece com muita esperança. Igreja Casa e Escola de Comunhão, Viva e Missionária é o lema que mantemos no triénio 2021-2024. O propósito da espiritualidade de comunhão deve continuar a marcar tudo o que fazemos, inclusive os nossos planos pastorais; esse esforço sincero de comunhão começa no coração e nas atitudes de cada um de nós. De pouco nos valem as estruturas se lhes faltam a alma e o amor que emana do coração do Senhor para com a Sua Igreja.
Os ecos da consulta sinodal diocesana deixam bem claro a sede do povo de Deus para viver numa Igreja que, para além de serviços e estruturas, saiba criar e oferecer espaços de comunhão, fraternidade, escuta e inclusão: laços de comunhão entre os Pastores e o conjunto do povo de Deus, entre Clero e Religiosos, entre associações e movimentos eclesiais é uma exigência e sobre isso, falávamos na Carta Pastoral de 2021-2022.
O triénio que nos conduz ao jubileu dos 20 anos, ficou assim organizado: 1º ano – Igreja Casa e Escola de Comunhão. A identidade laical e a prática da caridade; 2º ano – A Comunidade, lugar de pertença e vivência da fé. Cultura vocacional; 3º ano – A Igreja em Missão. Celebração do jubileu dos 20 anos da diocese. Memória e esperança.
A caminhada sinodal proposta pelo Papa: por uma Igreja sinodal, Comunhão, Participação e Missão, frisa o aspecto da participação. Pode ser essa a tónica a juntar a este ano pastoral vivido sob o tema: A Comunidade, lugar de pertença e vivência da fé. Cultura vocacional. A Comunidade eclesial feita de todos, está sempre em movimento porque é um organismo vivo; esta difere de outras instituições, por estar em constante renovação e porque é vivificada por Aquele que a sustem. Nela, somos convocados para constituir um edifício espiritual, chamado ao louvor da glória do Senhor (cf. Ef 1, 8-12).
Não sem razão, muitas vezes constatamos que algumas comunidades estão estagnadas, passivas e outras até paralisadas. É urgente escutar a voz do Espírito que nos desperta para uma Igreja “em saída”. Comunhão, Participação e Missão, neste tríptico, vivemos o Sínodo. O processo sinodal captou a vivacidade das nossas comunidades, mas também as inquietações do povo que almeja por uma igreja aberta a todos e onde todos tenham vez e voz. Esta tarefa deve envolver os Pastores e todos os fiéis comprometidos a caminhar juntos, cientes de que há diversidade de dons e serviços e diversos modos de agir, concorrendo todos e cada um para o proveito comum (cf. 1Cor 12, 4ss).
Os resultados do processo sinodal, por um lado nos trazem a alegria e o entusiamo com que muitos acolheram esta iniciativa; pois, foi uma oportunidade de escutar, conhecer e sentir o que é vivido pelos nossos fiéis. Foi tomada como sinal inovador e tão desejado por muitos. Por outro lado, também nos chegaram relatos
daqueles que sentem que é mister uma grande conversão na Igreja, a começar pelos Pastores e por aqueles que lhes estão muito próximos. Pois a igreja é sentida como uma estrutura demasiada centrada nos Pastores e na sua autoridade, nem sempre bem vivida. Igreja clerical com uma acentuação vertical em vez de uma Igreja comunhão, fraterna e próxima, onde ninguém é mais que ninguém; apenas cada um tem um lugar que lhe é próprio, em virtude da sua condição de batizado e membro do Corpo de Cristo. Se os Pastores não são assim, pelo menos, muitos dos inqueridos têm essa percepção.
Igreja comunhão e participação, acolhedora e onde nos sentimos em casa é o que ansiamos. Igreja que vive ao estilo de Jesus Cristo, manso e humilde de coração. Na Evangelii Gaudium, o Papa adverte para o perigo do desmoronar da comunidade: é fácil roubar, pilhar, destruir as comunidades. Não deixemos que nos roubem a comunidade (EG 93). Ela é de um valor inestimável e Cristo deu a sua vida para que todos nós nos tornássemos um N’Ele.
Aproximando-nos do jubileu dos 20 anos da Diocese, continuamos a sublinhar e a fazer de tudo para que ela seja a Casa e Escola de Comunhão; a comunidade que respeita a diversidade dos carismas, das sensibilidades, das visões e que não exclua ninguém. Neste sentido, na pessoa dos Pastores das comunidades e dos fiéis, cada um que deseja aproximar-se se sinta acolhido e chamado a fazer parte desta família. E isto deve acontecer em todo o momento e em qualquer lugar. Quando se chega à comunidade, procurando uma informação, solicitando um serviço, uma ajuda ou um sacramento, que as portas do coração sejam as primeiras a estarem abertas para oferecer o bálsamo da fraternidade e da disponibilidade.
Para este segundo ano do triénio, vamos privilegiar o sentido de pertença e participação de todos. Na assembleia cristã, é certo que nem todos têm que ser protagonista de alguma acção, nem estar na linha da frente, mas ninguém deve se sentir de lado ou excluído. Cada qual tem um lugar nesta casa e essa consideração define o jeito de participação. Especial atenção e acompanhamento deveríamos fazer àqueles que são recéns baptizados, crismados ou, simplesmente, chegaram de novo à paróquia.
Talvez cada comunidade possa tomar os resultados do inquérito sinodal, como elementos a analisar para melhorar a dinâmica pastoral no sentido de corresponder aos desejos e sonhos dos fiéis.
Para participar melhor é fundamental conhecer a natureza do que é ser cristão; pelo que é necessário continuar a apostar na formação e capacitação dos nossos leigos. Vários são os subsídios e as propostas de formação que a Igreja vai pondo à nossa disposição. A Escola Universitária Católica é primeiramente para os de dentro. A temos em conta?
Que os Párocos, em vez de multiplicarem acções na comunidade, vejam com os conselhos paroquiais, quais aquelas que deveriam ser priorizadas e em que momentos mais apropriados deveriam acontecer de modo que haja foco naquilo que é verdadeiramente essencial. Que as conferências, formações, reuniões, ensaios, retiros, preparações diversas, festividades sejam pensados de forma equilibrada e real, sem dispersões daquilo que é a disponibilidade da nossa gente. É preciso maior articulação entre os grupos e movimentos, ao organizar atividades que exijam a mobilização da comunidade. Há que fomentar a cultura da programação pastoral paroquial e definir os momentos certos para convocar os fiéis e as pessoas em geral.
Neste contexto, deve-se ter presente as propostas que emanam da Diocese e dos serviços que estão mandatados pelo Bispo: Semana Teológica, formação dos catequistas, pastoral familiar, encontros
vocacionais, etc. É muito salutar o que em algumas ilhas se tem vindo a realizar, envolvendo setores específicos, tais como: Encontros/Festas da Família, Jornadas da Juventude, Encontro vicarial de Catequistas, Encontro inter paroquial de Acólitos. É por aqui o caminho!
A Igreja Casa de Comunhão, sente-se no concreto em momentos como esses que renovam a consciência de sermos Igreja, família de Deus. Também o Senhor reuniu muitas vezes à sua volta grandes multidões. Temos os olhos postos na JMJ Lisboa 2023, que será um desses momentos ímpares na vida do jovem cristão. Assim, não deixa de ter um lugar privilegiado o apoio aos nossos jovens e desejando muito que possam participar em bom número neste grande evento mundial. A preparação e o envolvimento nestas jornadas – sob o lema Maria levantou-se e partiu apressadamente (Lc 1, 39) – poderiam ser uma boa ocasião para um despertar vocacional entre os jovens. Porque não explorar mais esta vertente mariana na vida dos jovens e adolescentes em ordem a uma pastoral vocacional?
Valorizar as pequenas comunidades (aldeias e bairros) é muito importante, mas sem fragilizar a dimensão da Paróquia ou Diocese, comunidade mais alargada e de maior experiência eclesial. É necessário, tanto quanto possível pôr em relevo a Igreja Paroquial, a sede da pastoral e a sua condição de matriz. Salvo raras exceções, por razões de distâncias ou outro motivo válido, que os sacramentos e os sacramentais se realizem na Igreja Paroquial (baptismos, crismas, casamentos, momentos fortes do ano, como o ciclo do Natal e da Páscoa).
Nas cidades ou Paróquias próximas que o sentido de vizinhança e pertença à mesma Igreja se estreitem, podendo ser mais bem aproveitado os meios e as sinergias, como por exemplo as conferências quaresmais, cursos de formação, preparações para os sacramentos. Para isso, é necessário que os Párocos e as Vigararias estejam abertos às dinâmicas de comunhão e participação, envolvendo, aproximando e criando redes próprias da condição eclesial. Temos notado que os jovens e os casais testemunham uma alegria enorme e um rejuvenescer da fé quando experimentam a vivência de comunhão mais alargada.
Que ao jeito próprio do Sínodo, o espírito de comunhão, partilha e pertença à mesma Igreja, «faça germinar sonhos […], fazer florescer a esperança, estimular confiança, faixar feridas, entrançar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua força às mãos»! (Discurso do Papa Francisco na Abertura do Sínodo dedicado aos Jovens, 3.X.2018).
Prossigamos juntos mais esta etapa pastoral, como discípulos missionários, sendo sinal duma Igreja à escuta e em caminho; seguros de que «o destino futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações vindouras razões de viver e de esperar» (Gaudium et spes, 31).
Mindelo, 20 Agosto de 2022 – Memória Litúrgica de S. Bernardo, Abade e Doutor da Igreja
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2021-22
Igreja Casa e Escola de Comunhão,
Viva e Missionária
Estimados irmãos e irmãs,
Neste novo ano pastoral, à semelhança do que vos escrevia, continuamos a celebrar em espírito de gratidão os quase 20 anos da Diocese e olhamos para o futuro que Deus nos oferece com muita esperança. Igreja Casa e Escola de Comunhão, Viva e Missionária é o lema que mantemos no triénio 2021-2024. O propósito da espiritualidade de comunhão deve continuar a marcar tudo o que fazemos, inclusive os nossos planos pastorais; esse esforço sincero de comunhão começa no coração e nas atitudes de cada um de nós. De pouco nos valem as estruturas se lhes faltam a alma e o amor que emana do coração do Senhor para com a Sua Igreja.
Os ecos da consulta sinodal diocesana deixam bem claro a sede do povo de Deus para viver numa Igreja que, para além de serviços e estruturas, saiba criar e oferecer espaços de comunhão, fraternidade, escuta e inclusão: laços de comunhão entre os Pastores e o conjunto do povo de Deus, entre Clero e Religiosos, entre associações e movimentos eclesiais é uma exigência e sobre isso, falávamos na Carta Pastoral de 2021-2022.
O triénio que nos conduz ao jubileu dos 20 anos, ficou assim organizado: 1º ano – Igreja Casa e Escola de Comunhão. A identidade laical e a prática da caridade; 2º ano – A Comunidade, lugar de pertença e vivência da fé. Cultura vocacional; 3º ano – A Igreja em Missão. Celebração do jubileu dos 20 anos da diocese. Memória e esperança.
A caminhada sinodal proposta pelo Papa: por uma Igreja sinodal, Comunhão, Participação e Missão, frisa o aspecto da participação. Pode ser essa a tónica a juntar a este ano pastoral vivido sob o tema: A Comunidade, lugar de pertença e vivência da fé. Cultura vocacional. A Comunidade eclesial feita de todos, está sempre em movimento porque é um organismo vivo; esta difere de outras instituições, por estar em constante renovação e porque é vivificada por Aquele que a sustem. Nela, somos convocados para constituir um edifício espiritual, chamado ao louvor da glória do Senhor (cf. Ef 1, 8-12).
Não sem razão, muitas vezes constatamos que algumas comunidades estão estagnadas, passivas e outras até paralisadas. É urgente escutar a voz do Espírito que nos desperta para uma Igreja “em saída”. Comunhão, Participação e Missão, neste tríptico, vivemos o Sínodo. O processo sinodal captou a vivacidade das nossas comunidades, mas também as inquietações do povo que almeja por uma igreja aberta a todos e onde todos tenham vez e voz. Esta tarefa deve envolver os Pastores e todos os fiéis comprometidos a caminhar juntos, cientes de que há diversidade de dons e serviços e diversos modos de agir, concorrendo todos e cada um para o proveito comum (cf. 1Cor 12, 4ss).
Os resultados do processo sinodal, por um lado nos trazem a alegria e o entusiamo com que muitos acolheram esta iniciativa; pois, foi uma oportunidade de escutar, conhecer e sentir o que é vivido pelos nossos fiéis. Foi tomada como sinal inovador e tão desejado por muitos. Por outro lado, também nos chegaram relatos
daqueles que sentem que é mister uma grande conversão na Igreja, a começar pelos Pastores e por aqueles que lhes estão muito próximos. Pois a igreja é sentida como uma estrutura demasiada centrada nos Pastores e na sua autoridade, nem sempre bem vivida. Igreja clerical com uma acentuação vertical em vez de uma Igreja comunhão, fraterna e próxima, onde ninguém é mais que ninguém; apenas cada um tem um lugar que lhe é próprio, em virtude da sua condição de batizado e membro do Corpo de Cristo. Se os Pastores não são assim, pelo menos, muitos dos inqueridos têm essa percepção.
Igreja comunhão e participação, acolhedora e onde nos sentimos em casa é o que ansiamos. Igreja que vive ao estilo de Jesus Cristo, manso e humilde de coração. Na Evangelii Gaudium, o Papa adverte para o perigo do desmoronar da comunidade: é fácil roubar, pilhar, destruir as comunidades. Não deixemos que nos roubem a comunidade (EG 93). Ela é de um valor inestimável e Cristo deu a sua vida para que todos nós nos tornássemos um N’Ele.
Aproximando-nos do jubileu dos 20 anos da Diocese, continuamos a sublinhar e a fazer de tudo para que ela seja a Casa e Escola de Comunhão; a comunidade que respeita a diversidade dos carismas, das sensibilidades, das visões e que não exclua ninguém. Neste sentido, na pessoa dos Pastores das comunidades e dos fiéis, cada um que deseja aproximar-se se sinta acolhido e chamado a fazer parte desta família. E isto deve acontecer em todo o momento e em qualquer lugar. Quando se chega à comunidade, procurando uma informação, solicitando um serviço, uma ajuda ou um sacramento, que as portas do coração sejam as primeiras a estarem abertas para oferecer o bálsamo da fraternidade e da disponibilidade.
Para este segundo ano do triénio, vamos privilegiar o sentido de pertença e participação de todos. Na assembleia cristã, é certo que nem todos têm que ser protagonista de alguma acção, nem estar na linha da frente, mas ninguém deve se sentir de lado ou excluído. Cada qual tem um lugar nesta casa e essa consideração define o jeito de participação. Especial atenção e acompanhamento deveríamos fazer àqueles que são recéns baptizados, crismados ou, simplesmente, chegaram de novo à paróquia.
Talvez cada comunidade possa tomar os resultados do inquérito sinodal, como elementos a analisar para melhorar a dinâmica pastoral no sentido de corresponder aos desejos e sonhos dos fiéis.
Para participar melhor é fundamental conhecer a natureza do que é ser cristão; pelo que é necessário continuar a apostar na formação e capacitação dos nossos leigos. Vários são os subsídios e as propostas de formação que a Igreja vai pondo à nossa disposição. A Escola Universitária Católica é primeiramente para os de dentro. A temos em conta?
Que os Párocos, em vez de multiplicarem acções na comunidade, vejam com os conselhos paroquiais, quais aquelas que deveriam ser priorizadas e em que momentos mais apropriados deveriam acontecer de modo que haja foco naquilo que é verdadeiramente essencial. Que as conferências, formações, reuniões, ensaios, retiros, preparações diversas, festividades sejam pensados de forma equilibrada e real, sem dispersões daquilo que é a disponibilidade da nossa gente. É preciso maior articulação entre os grupos e movimentos, ao organizar atividades que exijam a mobilização da comunidade. Há que fomentar a cultura da programação pastoral paroquial e definir os momentos certos para convocar os fiéis e as pessoas em geral.
Neste contexto, deve-se ter presente as propostas que emanam da Diocese e dos serviços que estão mandatados pelo Bispo: Semana Teológica, formação dos catequistas, pastoral familiar, encontros
vocacionais, etc. É muito salutar o que em algumas ilhas se tem vindo a realizar, envolvendo setores específicos, tais como: Encontros/Festas da Família, Jornadas da Juventude, Encontro vicarial de Catequistas, Encontro inter paroquial de Acólitos. É por aqui o caminho!
A Igreja Casa de Comunhão, sente-se no concreto em momentos como esses que renovam a consciência de sermos Igreja, família de Deus. Também o Senhor reuniu muitas vezes à sua volta grandes multidões. Temos os olhos postos na JMJ Lisboa 2023, que será um desses momentos ímpares na vida do jovem cristão. Assim, não deixa de ter um lugar privilegiado o apoio aos nossos jovens e desejando muito que possam participar em bom número neste grande evento mundial. A preparação e o envolvimento nestas jornadas – sob o lema Maria levantou-se e partiu apressadamente (Lc 1, 39) – poderiam ser uma boa ocasião para um despertar vocacional entre os jovens. Porque não explorar mais esta vertente mariana na vida dos jovens e adolescentes em ordem a uma pastoral vocacional?
Valorizar as pequenas comunidades (aldeias e bairros) é muito importante, mas sem fragilizar a dimensão da Paróquia ou Diocese, comunidade mais alargada e de maior experiência eclesial. É necessário, tanto quanto possível pôr em relevo a Igreja Paroquial, a sede da pastoral e a sua condição de matriz. Salvo raras exceções, por razões de distâncias ou outro motivo válido, que os sacramentos e os sacramentais se realizem na Igreja Paroquial (baptismos, crismas, casamentos, momentos fortes do ano, como o ciclo do Natal e da Páscoa).
Nas cidades ou Paróquias próximas que o sentido de vizinhança e pertença à mesma Igreja se estreitem, podendo ser mais bem aproveitado os meios e as sinergias, como por exemplo as conferências quaresmais, cursos de formação, preparações para os sacramentos. Para isso, é necessário que os Párocos e as Vigararias estejam abertos às dinâmicas de comunhão e participação, envolvendo, aproximando e criando redes próprias da condição eclesial. Temos notado que os jovens e os casais testemunham uma alegria enorme e um rejuvenescer da fé quando experimentam a vivência de comunhão mais alargada.
Que ao jeito próprio do Sínodo, o espírito de comunhão, partilha e pertença à mesma Igreja, «faça germinar sonhos […], fazer florescer a esperança, estimular confiança, faixar feridas, entrançar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua força às mãos»! (Discurso do Papa Francisco na Abertura do Sínodo dedicado aos Jovens, 3.X.2018).
Prossigamos juntos mais esta etapa pastoral, como discípulos missionários, sendo sinal duma Igreja à escuta e em caminho; seguros de que «o destino futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações vindouras razões de viver e de esperar» (Gaudium et spes, 31).
Mindelo, 20 Agosto de 2022 – Memória Litúrgica de S. Bernardo, Abade e Doutor da Igreja
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2020-21
Recuperar a Humanidade no coração do Homem
Educar para os valores da comunhão e solidariedade
Estimados irmãos e irmãs,
Em tudo e sempre, louvor, gratidão e esperança porque o Senhor está connosco!
Os desígnios de Deus são insondáveis e os seus planos não são os nossos. Assim, a surpresa bateu forte à nossa porta, pondo em evidência a nossa fragilidade e comprometendo os nossos planos. Já na Carta Pastoral do ano passado, que tinha os jovens como foco principal, dizíamos: «Frente a estas dificuldades todas e outras mais, não podemos perder a esperança na vida nem a força que nos anima. Pois, das grandes verdades aos quais devemos dar crédito, uma delas é que Deus nos ama. Deus te ama muito caro jovem. Diz Francisco: «Deus ama-te». Mesmo que já o tenhas ouvido – não importa! –, quero recordar-to: Deus ama-te. Nunca duvides disto na tua vida, aconteça o que acontecer. Em toda e qualquer circunstância, és infinitamente amado». Os discípulos de Jesus vivem no meio da sociedade, e não são imunes aos males que afectam os seus semelhantes nem escapam às vicissitudes do tempo em que vivem. Como afirma o Concílio Vaticano II: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (Gaudium et Spes, 1).
Talvez até tenha sido boa para nós, esta provação pela qual passamos, para nos apercebermos que somos pequenos e frágeis e precisamos de contar sempre com a força da divina providência e com o apoio dos irmãos para prosseguirmos em frente mesmo quando o vento sopra forte e é de feição contrária.
Por feliz coincidência, hoje, 4 de Outubro, dia de São Francisco, o Papa Francisco oferece ao mundo uma nova Encíclica dedicada à fraternidade e à amizade social – Fratelli Tutti. Nela, com o firme propósito de despertar caminhos novos, ele retoma a ideia que sublinhara durante a oração pela humanidade em 27 de Março de 2020 na Praça de S. Pedro: «É verdade que uma tragédia global como a pandemia do Covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos. Recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvarmo-nos juntos. Por isso, «a tempestade – dizia eu – desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. (…) Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso “eu” sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, esta (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos» (FT 32).
A nossa atitude, deve orientar-se sempre pelas últimas e consoladoras palavras de Jesus no Evangelho: eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos (Mt 28,20); Precisamos de nos unirmos e reinventarmos a solidariedade se não quisermos afundar. Esta é a interpelação que fazemos neste momento ao iniciarmos mais um ano pastoral: confiar no Senhor, nossa esperança, e caminharmos juntos descobrindo a humanidade que nos habita interiormente e promovendo a alegria da solidariedade. Não são poucos os irmãos que neste tempo, experimentaram e continuam a experimentar momentos difíceis nas suas vidas familiares e profissionais. A pobreza e a precariedade que já eram uma constatação para muitos, surgem agora com uma nova fisionomia para quem tinha começado a levantar-se.
O nosso plano pastoral nestes três últimos anos centra-se na família – Família um tesouro da humanidade; e a partir daqui pretendíamos chegar a uma pastoral juvenil renovada e comprometermo-nos numa dinâmica de educação para os valores que na nossa sociedade reclamam uma urgente ascensão. Agora, mais do que nunca, com a actual situação em que vivemos, devido a uma pandemia que veio desestabilizar tudo e ao mesmo tempo grita por uma nova ordem, a família – Igreja doméstica – é chamada a ocupar o seu lugar central e decisivo para a recuperação da humanidade no nosso coração humano. Humanidade no sentido de recuperar os valores mais genuínos que o Criador semeou no nosso coração de todos os homens e mulheres: o amor, a verdade, a justiça, a solidariedade, o respeito pelo outro chamado como eu a existir com liberdade e dignidade sobre a mesma terra 1; humanidade também no sentido de fazer emergir uma nova humanidade, uma nova maneira de viver em sociedade. Estarmos em profunda sintonia com o Papa Francisco, que acaba de afirmar na Fratelli Tutti: «Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade… Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (…); precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos». Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos» (FT 8).
Este sonho, o confiamos às famílias (e às comunidades), mestras e educadoras dos corações, para que ensaiem a missão de despertar no seu seio o amor e a solidariedade. Ajudem a recuperar a humanidade no coração de cada homem e mulher que a integra. As famílias são chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível; pois, constituem o primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade2. A nossa catequese paroquial e as nossas escolas deverão estar cientes da nobre tarefa educativa para os valores, e que o Santo Padre deixa bem claro quando afirma: «Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens, na escola ou nos vários centros de agregação infantil e juvenil, devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral, espiritual e social da pessoa. Os valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedade, podem ser transmitidos desde a mais tenra idade» (FT 114). A nossa tarefa educativa possa ajudar a pensar a vida humana de forma mais integral e contribua para uma melhor vida em comunidade. Lembra-se ainda que a Igreja «tem um papel público que não se esgota nas suas atividades de assistência ou de educação», mas busca a «promoção do homem e da fraternidade universal»3.
Continuamos a propor aos jovens que assumam responsabilidades na sociedade e procurem viver tendo em conta os outros, numa atitude constante de entrega, de amor fraterno, generoso e misericordioso. Trata-se de abraçar o desafio da Igreja em saída.
Que as nossas preocupações e problemas particulares (as dificuldades académicas, a incerteza do emprego e do futuro, os vazios, os desencontros e desencantos da vida quotidiana) não nos façam esquecer os outros.
«Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos. Mas precisamos de nos constituirmos como um «nós» que habita a casa comum» (FT 17). A seguinte advertência do Sucessor de Pedro é válida para todos os sectores da sociedade: «Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta. No fim, oxalá já não existam ‘os outros’, mas apenas um ‘nós’» (FT 35).
Anima-nos a certeza de que a esperança cristã e a unção que recebemos do amor de Cristo, têm força suficiente para curar os corações atribulados (cf. Is 61, 1) e superarmos os momentos dissonantes da nossa história. Ano passado por esta altura, vivíamos o Mês Missionário Extraordinário – Baptizados e Enviados. Com mais razão, este tempo reclama um renovado e extraordinário anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. É tempo de fazer incarnar a Palavra, lá onde ela é capaz de transformar e suscitar uma nova humanidade. Jesus Cristo é o centro do cosmos e da história; o único capaz de revelar plenamente o homem ao próprio homem. Na dimensão humana do mistério da Redenção, o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade (cf. Gaudium et Spes, 22; João Paulo II, Redemptor Hominis, 1.10).
Estimados irmãos, que dificuldade e incertezas encontraremos no percurso, é certo, mas as dificuldades que parecem enormes são a oportunidade para crescermos, e não a desculpa para a tristeza inerte4. Parece-me que é legítimo colocar a questão que outrora o discípulo pusera: Senhor, a quem iremos? Ou seja, quem nos poderá salvar? Só Tu tens palavras de vida eterna (Jo 6, 68). Recomendamos ainda para nossa reflexão, a Carta Pastoral dos Bispos de Cabo Verde Testemunhas da fé, esperança e caridade para a transformação do mundo. Nela, deixamos uma palavra de esperança para o nosso povo e recordamos que: centro da vida eclesial, a Sagrada Eucaristia é sem dúvida, o mistério admirável da nossa fé.5
Votos de um bom ano pastoral, seja a nossa Igreja na sociedade, aquilo que a alma é no corpo: força vital e esperança! Maria, Senhora das Dores, Saúde dos enfermos e Mãe solícita, nos acompanhe com a Sua ternura e nos inspire o jeito de viver confiantes!
Ilha do Sal, 4 de Outubro de 2020 – Memória Litúrgica de S. Francisco de Assis
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
1 Cf. Papa Francisco, Carta Encíclica Fratelli Tutti, 55 (convido à esperança que «nos fala duma realidade que está enraizada no mais fundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos em que vive. Fala-nos duma sede, duma aspiração, dum anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito para coisas grandes, como a verdade, a bondade e a beleza, a justiça e o amor).
2 Cf. Ibidem, 114.
3 Cf. Ibidem 276, citando BENTO XVI, Carta enc. Caritas in Veritate, 11.
4 Cf. Ibidem, 78.
5 Carta Pastoral dos Bispos de Cabo Verde, Testemunhas da fé, esperança e caridade para a transformação do mundo (14 de Junho de 2020), 10.
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2019-20
Família com Cristo sempre jovem
Estimados irmãos e irmãs!
Vivemos um excelente ano (2018-19) com o nosso pensamento, vontade e critérios pastorais voltados para a família. É legítimo e devido, darmos muitas graças a Deus por tanta coisa boa vivida nas nossas comunidades. Eu mesmo tive a graça e a alegria de participar em diversos momentos significativos em várias ilhas, a última da quais em Santo Antão (Coculi), na grande Festa / Encontro da família que juntou milhares de fiéis das 7 paróquias da ilha, alguns vindos dos lugares mais recônditos e encravados na montanha. Todas estes acontecimentos que se deram um pouco por toda a parte da Diocese, devem ficar na memória do coração para louvor a Deus e estímulo para prosseguirmos adiante.
Sublinho a dedicação colocada no cuidado e na promoção da família segundo os desígnios do Criador, encontros diversos congregando famílias, apoio aos movimentos vocacionados para a pastoral familiar, as celebrações litúrgicas e outros actos de piedade com o objectivo específico de fazer a família se encontrar com Deus e consigo mesma, as inúmeras conferências e catequeses, sem esquecer a nossa semana teológica que tem procurado ser um valioso contributo para a formação teológica e cultural da nossa gente, sempre em sintonia com o lema diocesano e contando com ilustres palestrantes (teólogos, filósofos, pastores…), alguns vindos de países e universidades do estrangeiro. O intuito foi sempre o mesmo: ajudar a família a reflectir e a encontrar bases sólidas e seguras para viver os desafios que ela encontra no mundo actual. Não esquecemos os belos momentos festivos e encontros de massa que animam a nossa fé; o estudo em grupo dos documentos de magistério que versam sobre esta temática, a promoção do casamento religioso, encontros inter-geracionais para aproximar os mais novos dos mais velhos, as belíssimas iniciativas e gestos de amor e solidariedade por parte das famílias para com as famílias mais pobres, etc.
Ainda com a família como pano de fundo temático, vamos contemplar os jovens no seio desta, da Igreja e da sociedade. O Sínodo sobre a juventude salientou que a «a família continua a ser o principal ponto de referência para os jovens». Providencialmente, temos a Exortação Apostólica do Papa Francisco, Christus Vivit, que nos aporta muita luz e belas reflexões sobre a juventude. A juventude é uma bênção para a Igreja. A própria Igreja, a família onde fomos integrados, é a juventude do mundo. Ela é a verdadeira juventude do mundo. Nela é sempre possível encontrar Cristo, «o companheiro e o amigo dos jovens (cf. CV34). Quando Ela conserva a sua intimidade com Cristo, que é sempre jovem, ela mantem-se jovem porque a juventude de Cristo ilumina a juventude da Igreja e dos jovens (cf. CV 30ss). Façamos um acto de confiança para acolher a verdade que a Exortação sublinha: Os jovens são o agora de Deus, são o presente e não apenas o futuro, como afirma o Cap. III; por isso devem ser tidos como protagonistas da pastoral juvenil e da história que queremos escrever hoje. «A Igreja precisa do ímpeto, das intuições e da fé dos jovens» (CV 299). O próprio Papa, em tom de súplica coloquial, diz aos jovens: «Por favor, não deixeis para os outros o ser protagonista da mudança!» (CV 174).
Perpassa por todo o texto aquilo que o mundo não ensina nem propõe aos jovens: os jovens devem assumir responsabilidades na sociedade e procurar viver tendo em conta os outros, numa atitude constante de entrega, de amor fraterno, generoso e misericordioso. O refrão já tão conhecido deste Papa é aqui retomado várias vezes: precisamos de uma Igreja em saída, que abrace o desafio da missão. «Êxtase» é sair de nós mesmos para buscar o bem dos outros, até dar a vida. Há que fugir da «tentação de nos fecharmos em nós, nos nossos problemas, sentimentos feridos, lamentações e comodidades» (n.163.166). Nada de jovens acomodados e que passam o tempo no sofá! Há que viver voltados e caminhando para os outros, porque só assim se chega longe. Há que ir para além do nosso eu e chegar mais além, nós e os nossos grupos (que às vezes não são mais do que um prolongamento do nosso eu (cf. CV 168). Cristo deu a Sua vida por nós no percurso da sua juventude; a sua vida e a sua entrega não foi um improviso.
E são apresentados muitos e diversos modelos de santos jovens que nos podem inspirar um estilo de vida semelhante, não imitando a particularidade de cada um, mas fazendo por descobrir o que Cristo quer de cada um de nós em cada tempo. Entre estes sobressai a figura de Maria, S. Francisco de Assis, Domingos Sávio, S. Teresinha e tantos outros cujas existências históricas se aproximam de nós. É bom afirmar que a juventude é tempo propício para fazer escolhas e bons discernimentos, mesmo diante de um mundo e de um futuro que se afiguram incertos e temerosos. Quem caminha com Cristo, deve saber-se e sentir que a vitória é certa. Podemos não saber aonde Ele nos leva, mas sabemos que Ele vai connosco até ao fim e isso nos basta e anima o ritmo da caminhada. Anima-nos as palavras do Senhor que Francisco retoma na Exortação: Ainda que todos nos abandonem, Jesus permanecerá, como prometeu: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» ( Mt 28, 20). O mal não terá a última palavra, porque o teu Amigo, que te ama, quer triunfar em ti (CV 125.162).
A Diocese deseja muito que no decorrer deste ano, possamos reinventar a nossa pastoral juvenil, dar vigor onde já existe algum dinamismo e ser criativo e audazes para lançar mão de uma pastoral juvenil séria, onde neste momento possa não existir. A própria Exortação Apostólica já nos aponta caminhos para um Pastoral juvenil sinodal, oferece linhas de acção e sobretudo desafia-nos a um estilo missionário ao jeito da Igreja que se quer hoje. No nosso contexto social, teremos de evitar o perigo de nos fecharmos nas nossas pastorais que não têm em conta os reais problemas que hoje afligem os nossos jovens, e são muitos: o desemprego e a incerteza frente ao mundo do trabalho que obriga muitos jovens a capitularem-se, a viverem paralisados e sem horizontes de esperança ou a refugiarem-se em compensações fúteis para obterem alguma sensação de realização. O pouco poder económico de muitas famílias que não são capazes de ajudar os seus filhos a ter acesso aos bens essenciais, compatível com um mínimo de dignidade, a manterem-se nas universidades; o uso abusivo do álcool e que infelizmente tem o apoio e a promoção da sociedade, de algumas instâncias de poder, das estruturas de interesses comerciais; a visão libertina da afectividade e da sexualidade originando tantas gravidezes precoces que dificultam uma planificação e organização da vida familiar e um futuro com esperança.
Frente a estas dificuldades todas e outras mais, não podemos perder a esperança na vida nem a força que nos anima. Pois das grandes verdades aos quais devemos dar crédito, uma delas é que Deus nos ama. Deus te ama muito caro jovem. Diz Francisco: «Deus ama-te». Mesmo que já o tenhas ouvido – não importa! –, quero recordar-to: Deus ama-te. Nunca duvides disto na tua vida, aconteça o que acontecer. Em toda e qualquer circunstância, és infinitamente amado… Deus sustentar-te-á com firmeza e, ao mesmo tempo, sentirás que Ele respeita completamente a tua liberdade1.
Somos um país que tem um índice de juventude muito elevado, o que constitui uma riqueza e uma bênção, mas também algumas preocupações, frente ao cenário que descrevemos. Se a nossa juventude não for orientada para o bem, para alavancar o nosso mundo, ela converte-se num problema. E num tempo onde há muitos oportunistas sem escrúpulos, as ameaças que se dirigem a esta faixa etária são preocupantes. Muitos jovens, porque lhes falta a consistência e a solidez humana que deveriam ter encontrado na família, tornam- se facilmente vulneráveis, usados para outros interesses e manipulados por ideologias e políticas perigosas. Reina hoje a cultura do provisório, que é uma ilusão. Julgar que nada pode ser definitivo é um engano e uma mentira2. Bem sabemos que por trás de muitas ideologias e movimentos de alcance mundial e que se dizem modernas e defensoras das liberdades dos indivíduos, está uma intenção e um objectivo preciso de destruir a família e os valores tradicionais consagrados ao longo do tempo pela nossa sociedade. Fazer malograr o projecto de Deus para a humanidade é uma evidência que temos de ter presente. Como gostaria que os nossos jovens vivessem e assumissem atitudes que mostram que as suas vidas não têm «preço», não estão em leilão. É papel e responsabilidade da família, de nós pastores, educadores e da Igreja e da sociedade acompanhar e orientar os nossos jovens; propor caminhos seguros é um acto de amor e solidariedade.
Por isso, assumimos este ano o compromisso de fazer uma aposta séria na Pastoral Juvenil, a nível diocesano, paroquial e em todas as comunidades. O SDPJ está em fase de reestruturação e fará chegar brevemente aos párocos e às comunidades algumas linhas e propostas de pastoral juvenil para os próximos anos. O nosso horizonte desde já se orienta para a próxima Jornada Mundial da Juventude que terá lugar em Lisboa, 2022. Esse acontecimento pode ser um bom estímulo para fazer reerguer o dinamismo da juventude em todas as comunidades.
Para todos, votos de um ano pastoral fecundo. Jesus caminha no meio de nós, como fazia na Galileia. Passa pelas nossas estradas, detém-Se e fixa-nos nos olhos3. O Mês de Outubro com o qual abrimos o ano, este ano é o Mês Missionário Extraordinário – Baptizados e Enviados, proclamado pelo Santo Padre e promovido pela POM. O objetivo é “despertar em medida maior a consciência da missio ad gentes e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral”4. Trata-se de acontecimento eclesial de grande importância que abrange todas as Conferências Episcopais, os membros dos institutos de vida consagrada, as sociedades da vida apostólica, as associações e movimentos eclesiais. Que o ritmo missionário anime as nossas iniciativas e criatividade pastoral e nos encha da alegria que brota do Evangelho de Cristo, sempre jovem! Maria, modelo de juventude e nossa Mãe, nos acompanhe com a sua singela ternura!
Ilha do Sal, 15 de Setembro de 2019 – Festa de Nossa Senhora das Dores
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
1 CV, 111,112.
2 Ibidem, 264.
3 Cf. Ibidem, 277.
4 Nota da POM – Pontifícias Obras Missionárias
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2018-19
Família, Juventude e Educação
Família um tesouro da humanidade
A família constitui, na visão da Igreja, um dos pilares fundamentais da sociedade, «um dos bens mais preciosos da humanidade» (Familiaris Consortio, 1). No dizer de São João Paulo II, a família é um «santuário de vida» e, como afirmou o Concílio, ela é «património da humanidade» (LG 11), é a célula primeira e vital da sociedade (Apostolicam Actuositatem, 11). Portanto, ela é o lugar sagrado, o santuário donde brota a vida e os bens essenciais à nossa realização como pessoa. Mas, temos de admitir que na sociedade cabo-verdiana, esta realidade atravessa uma profunda crise e, não será ousado dizer que, de certo modo, ela está enferma.
Na família humana encontramos, hoje, luzes e sombras. «Por um lado, existe uma consciência mais viva da liberdade pessoal e uma maior atenção à qualidade das relações interpessoais no matrimónio, à promoção da dignidade da mulher, à procriação responsável, à educação dos filhos […]; há a descoberta de novo da missão eclesial própria da família e da sua responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, contudo, não faltam sinais de degradação preocupantes de alguns valores fundamentais: uma errada concepção teórica e prática da independência dos cônjuges entre si; as graves ambiguidades acerca da relação de autoridade entre pais e filhos; as dificuldades concretas, que a família muitas vezes experimenta na transmissão dos valores; o número crescente dos divórcios; a praga do aborto; o recurso cada vez mais frequente à esterilização; a instauração de uma verdadeira e própria mentalidade contraceptiva» (FC 6).
Entre as ameaças graves que pairam sobre a família, está a ideologia de género que, desgraçadamente, se está a pensar introduzir no nosso sistema de ensino. Para além de ser estranha à nossa cultura e contrária ao pensamento e à sensibilidade da nossa gente, estamos diante daquilo a que o Papa Francisco chamou de demoníaco e diz que é maldade ensinar a ideologia de género às crianças. Já Bento XVI tinha dito que ensinar tais doutrinas é um pecado contra Deus Criador; pois, Deus criou o Homem: homem e mulher os criou (Gen 1, 28); Ignorar isto e ensinar o contrário é ir contra Deus.
Na Exortação Apostólica do Papa Francisco Amoris Laetitia (nº285) se chama a atenção que: «a educação sexual deveria incluir também o respeito e a valorização da diferença, que mostra a cada um a possibilidade de superar o confinamento nos próprios limites para se abrir à aceitação do outro. Para além de compreensíveis dificuldades que cada um possa viver, é preciso ajudar a aceitar o seu corpo como foi criado, porque “uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. (…) Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus Criador, e enriquecer-se mutuamente”. Só perdendo o medo à diferença é que uma pessoa pode chegar a libertar-se da imanência do próprio ser e do êxtase por si mesmo. A educação sexual deve ajudar a aceitar o próprio corpo, de modo que a pessoa não pretenda “cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela”».
Outro aspecto que mancha a imagem da família, entre nós, é o uso abusivo e excessivo do álcool, por toda a parte (muitas vezes exponenciado por actividades que fomentam o consumo do mesmo) e com consequências gravíssimas para as famílias e para a sociedade (ao nível financeiro, desempenho profissional, relacionamento harmonioso e familiar, etc.); envergonha-nos o desrespeito pelo outro, pela sua vida e por aquilo que é seu, a ausência descarada de civismo e de boas práticas de convivência social.
Escasseiam as famílias que levem a sério a educação como missão, negligenciando princípios fundamentais que assentam suas raízes no Evangelho de Jesus Cristo e na sã tradição secular que plasmou o tecido humano da identidade cabo-verdiana. «Na raiz destes fenómenos negativos está muitas vezes uma corrupção da ideia e da experiência de liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade do projecto de Deus sobre o matrimónio e a família, mas como força autónoma de afirmação, não raramente contra os outros, para o próprio bem-estar egoístico (FC 6). «O lugar que o amor deveria ocupar foi arrebatado por vários tipos de prazeres (desde o sexo às drogas) e mais ainda pelo amor a si próprio – o narcisismo que, com a difusão do individualismo moderno e pós-moderno, se transformou, não num simples problema de indivíduos, mas numa das características mais típicas da nossa cultura» (Tomás Halík, Quero que tu sejas, 164). Precisamos urgentemente de famílias que não se demitam da sua missão de amar, servir, educar e formar de modo integral os seus membros.
Após um ciclo de dinâmica pastoral centrada na Reconciliação, Justiça e Paz, damos início a um novo triénio pastoral que terá, sucessivamente, como ponto focal: a Família, a Juventude e a Educação. A Igreja comunidade familiar que ama e educa os seus jovens para a formação integral: Recuperar a humanidade no coração do homem.
Neste primeiro ano, o acento é posto na família. Desejamos que todas as comunidades paroquiais, que em si mesmas já são uma família – comunidade de comunidades, aceitem o desafio de ajudar a emergir no seu seio, famílias cristãs sólidas, imbuídas do espírito evangélico e de valores humanos, capaz de edificar a sociedade em qualquer lugar. É com muita satisfação que vemos crescer, em quase todas as ilhas, os movimentos que estão ao serviço do bem comum da família e do seu crescimento humano e espiritual: as Equipas de N. Senhora, a Fraternidade Jesus Maria José e a Comunidade Emanuel, entre outros. Contamos com o precioso contributo destes movimentos para a dinamização duma pastoral renovada da família. Várias paróquias têm estruturado um secretariado da família e têm vindo a ensaiar formas de colmatar as lacunas que encontramos neste domínio. O Secretariado de Acção Pastoral (SAP) apresenta algumas pistas que pretendem ajudar as comunidades a pôr de pé, acções pastorais bem concretas. Estas pistas encontram-se nas Orientações Pastorais que habitualmente acompanham esta Carta Pastoral. Também o Secretariado Diocesano da Família fará chegar, às paróquias e movimentos, algumas directrizes e propostas de acção pastoral.
Que a Igreja em Cabo Verde, não seja simples espectadora diante do palco destas situações preocupantes e que desfiguram o rosto da sociedade cabo-verdiana, tão orgulhosa de si ao longo de séculos. Ela, consciente da sua missão, tem um papel fundamental que é ser candeia que vai à frente e ilumina; Ela é portadora da Palavra que desperta as consciências e convida à conversão; Ela chama a arrepiar caminhos perigosos e resvalantes para a decadência social; Ela está comprometida com a «civilização do amor» que os Papas Paulo VI e João Paulo II tanto desejaram.
Este mundo em constante e veloz mutação, plural e multifacetado, que absorve novidades sem filtrar, a cada instante, não permite avaliar facilmente, os seus contornos e distinguir bem o que são sombras e luzes, padrões a evitar ou a adoptar. Assim, estar atento aos «sinais dos tempos» é um imperativo e, no meio desta encruzilhada, não podemos permanecer sem tomar uma posição firme. Há que saber discernir com paciência e sabedoria. Não tenhamos ilusões, a nossa voz há-de assemelhar-se à «voz que brada no deserto», num movimento contra a corrente. Seja como for, estar na Igreja, como num «hospital de campanha», deverá ser a nossa atitude. Isto é, estar disponível para acompanhar os que caiem, os que se magoaram por causa da injustiça e da falta de amor, os que se desorientaram e perderam no meio dos mares turbulentos da vida.
Ao longo deste ano em que destacamos a família como um tesouro, porque o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja (cf AL 31), gostaríamos que os jovens tivessem um papel de relevo, porque também são chamados a ser protagonistas da história com esperança que queremos escrever. Os jovens e as crianças, constituem uma grande esperança e uma alegria para as famílias mas, ao mesmo tempo, são vulneráveis e são as primeiras vítimas das más opções e dos dramas que experimentam nos seus ambientes. No gizar dos nossos programas, contemplemos aquilo que visa provocar a cultura do encontro: encontro de gerações; encontros marcados pelo amor e pela alegria da relação séria, verdadeira, libertadora, com sabor a generosidade e serviço. A felicidade, remarcava Jesus, está mais em dar do que em receber; coisa que o mundo desconhece e que precisamos de aprender em casa, a começar no berço.
É na família e em clima de comunhão, que encontramos aquele húmus tão necessário para a nossa realização e plenitude. Tomás Halík escreve que: «a experiência mais importante, mais necessário para a vida e para o desenvolvimento saudável de uma pessoa, é sentir-se que é (ou que foi) amada. Essa é a única verdadeira aprendizagem do amor; a única forma de aprender a amar é deixar que o amor nos «infecte». Alguém que não é amado nunca conseguirá amar». Que as nossas famílias cresçam para a glória de Deus e bem da sociedade. Que as palavras do justo Josué nos inspirem o modo de viver em nossa casa: «Eu e a minha família, serviremos o Senhor» (Josué 24, 15).
Alguns subsídios do Magistério da Igreja nos ajudam a aprofundar mais, o sentido, o valor e a responsabilidade da família no mundo actual. Recomendo vivamente que se leia ou se volte a visitar a belíssima Exortação Amoris Laetitia, que nos ajuda a fazer uma leitura realista da família, hoje. Nela, é notório o desejo de «estimular a apreciar os dons do matrimónio e da família e a manter um amor forte e cheio de valores como a generosidade, o compromisso, a fidelidade e a paciência; e também encorajar todos a serem sinais de misericórdia e proximidade para a vida familiar, onde esta não se realize perfeitamente ou não se desenrole em paz e alegria» (Cf. AL 5).
A Sagrada Família de Nazaré, comunidade pobre, simples e humilde mas rica de amor, alegria e paz, inspire o jeito de ser família nas nossas comunidades!
Sal, 15 de Setembro de 2018, Festa de Nossa Senhora das Dores
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2017-18
Reconciliados com Cristo, fermentos de um mundo novo
Estimados irmãos e irmãs!
O novo ano pastoral é oportunidade para adentrarmos mais no coração misericordioso de Deus Pai. Levamos três anos de programação pastoral cujo tema central é: A Igreja comunidade de amor: ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz.
Cada um de nós é chamado a rever como foi, nestes últimos dois anos, a sua experiência de encontro pessoal com Deus, em Igreja. Continua ainda bem vivo na memória do coração, o recente Jubileu Extraordinário da Misericórdia, e note-se que, quem experimentou o amor misericordioso de Deus, certamente procura comunicar esse amor aos outros. O olhar afectuoso de Deus, fixo em nós, é um desafio a sairmos de nós para prolongar esse amor nos irmãos. Quem não sai de si, para amar e ungir, de certo, ainda não se sente amado. Porque, o amor é como uma fragrância que não pode deixar de exalar seu perfume.
Reconciliados com Cristo, fermentos de um mundo novo: tal expressão, pela qual desejamos orientar o nosso ano, supõe estarmos reconciliados; reconciliados com o mundo à nossa volta, com os outros, connosco mesmo e com Deus. Com Deus primeiramente, porque quem O encontra e permanece n’Ele, torna-se uma fonte de amor benfazejo para quantos o rodeiam. Não se pode amar sem antes se se sentir amado por um amor assim, divino. Toda a espécie de paz e de bem, pelo qual ansiamos, consegue-se no encontro real e profundo com Deus.
O Papa Francisco tem nos interpelado insistentemente para a urgência de sairmos; queremos uma Igreja em saída, discípulos que vão ao encontro de quantos aguardam novas de esperança e de vida. Estamos a falar de missão. No término deste triénio pastoral, irmãos, vos convido a todos, começando por nós pastores e passando por todos os nossos fiéis leigos, a ousarmos sem intermitências, um estilo de vida e de acção pastoral missionária. Por vezes, perdemos demasiado tempo enredados sobre nós mesmos e confinados ao nosso pequeno mundo, esquecendo a urgência da Seara que reclama a presença de trabalhadores apaixonados, generosos e audazes, prontos a gastar a sua vida pela causa do Reino.
Tenhamos presente dois factores importantes: a fidelidade do Espírito do Senhor, que jamais deixará de acompanhar a Igreja de Cristo, em cada etapa e vicissitude, e a leitura dos sinais que encontramos neste tempo. Eles assinalam as oportunidades favoráveis para o anúncio do Evangelho no meio desta massa onde nos encontramos; queiramos ser fermento de um mundo novo. As sombras que pairam sobre a nossa sociedade, tais como: a ausência de valores humanos, o vazio existencial, a hesitação em traçar rumos, a desorientação de caminhos, a insegurança e desconfiança sociais, não devem paralisar os discípulos de Cristo nem convertê-los em meros e estéreis observadores que, quando não passam de lado, detêm-se a forjar críticas e lamentos para consolo do seu ego.
Mais do que sonhar com uma missão projectada lá longe, passemos à acção, porque a noite vai adiantada e o dia está próximo… revistamo-nos das armas da luz, como diz o Apóstolo (Rom 13,12).
Pretende-se, despertar em cada fiel das nossas comunidades, o dinamismo de maior compromisso no mundo onde estamos implantados. Não raras vezes nos comportamos junto dos nossos contemporâneos com quem partilhamos no dia a dia, os mesmos espaços e as mesmas preocupações, com grande indiferença como se a nossa presença não tivesse que se notar, como se muitos aspectos que reclamam uma atitude profética não nos interessassem ou como se estivéssemos anestesiados e apáticos perante a sociedade. Aliás, é de referir que acontece até o contrário: muitos cristãos, em vez de serem guias esclarecidos e candeia que ilumina a noite, são levados por aquilo que pensam os outros, por aquilo que é «fashion» ou não põe em xeque a sua agradável imagem junto dos outros.
Jesus Cristo ordenou aos seus discípulos: «brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu» (Mt 5, 16). Sabemos que os primeiros cristãos, pela forma diferente de amar e estar na vida, gozavam da admiração e simpatia dos pagãos, a ponto de estes exclamarem: «vede como eles se amam» (Tertuliano, Apologia, 39). A exemplaridade da sua vida fazia a diferença e saltava à vista dos outros. É de cristãos assim, que o mundo tem falta. Será que os pagãos continuam a dizer da nossa gente que vai à Igreja: vede como eles se amam? Marcar a diferença, pela positiva, é o nosso papel na sociedade e é servir o Evangelho. Só o amor pode salvar o mundo! Não precisamos de buscar visibilidade nem destaque, mas humildemente, ter a coragem de ser presença de amor. Não vemos o sal na comida, contudo, pequena quantidade dele torna diferente o sabor; não vemos o açúcar do café, mas a sua presença adoça o paladar e faz-se sentir. Assim deveriam ser os cristãos no mundo: o autor da Carta a Diogneto, há mais de dois mil anos, dizia que os cristãos são no mundo aquilo que a alma é no corpo. «Assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo; os cristãos, por todas as partes do mundo. A alma habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não pertencem ao mundo. A alma invisível está contida num corpo visível»
Igreja viva, presente, é o maior bem que podemos fazer à sociedade, mesmo quando esta parece prescindir da sua presença e de Deus. Deus nos livre da globalização da indiferença e nos faça passar para a lógica do encontro com os irmãos.
No último Encontro Diocesano dos Agentes de Pastoral decidimos dar especial atenção, em cada ano, a um sector da Igreja. Este ano será a catequese paroquial. Também vamos agarrar o desafio de uma especial atenção à Palavra de Deus: Instituir na Diocese e em cada comunidade o DOMINGO DA PALAVRA (OU DA BÍBLIA), seguindo as indicações do Papa Francisco na Misericordia et Misera (20 Nov 2016). O Domingo da Palavra é uma ocasião única para reunir o povo de Deus em redor da Bíblia, renovando uma das dimensões essenciais da vida cristã: a escuta.
Deus nos acompanhe com a força do Seu Espírito e a Senhora do Céu, que há 100 anos apareceu em Fátima, nos envolva naquela luz que nos anima e desperta no coração o desejo de amor e conversão!
Mindelo, 8 de Setembro de 2017 – Festa da Natividade da Virgem Santa Maria
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2016-17
Construir a Justiça para acolher a Paz
Queridos irmãos e irmãs!
A chegada de uma nova etapa pastoral, habitualmente, é acompanhada de novos sonhos e expectativas. Não queremos perder a dinâmica que nos moveu durante o Jubileu Extraordinário da Misericórdia – Ousar o olhar de misericórdia; pois os gestos ousados da nossa gente ficam registados e abrem caminho para prosseguirmos na direcção de sermos misericordiosos como o Pai.
Iniciamos este ano sob a divisa: construir a justiça para acolher a paz. É um desafio que vem na sequência dos planos pastorais recentes e vai de encontro à urgência que sentimos de contribuir para a edificação de uma sociedade mais justa e fraterna. A paz é fruto que se colhe se cultivarmos a justiça. Após os horrendos acontecimentos ocorridos em setembro de 2001, João Paulo II afirmava na que a verdadeira paz é fruto da justiça, virtude moral e garantia legal que vela sobre o pleno respeito de direitos e deveres e a equitativa distribuição de benefícios e encargos. Mas, como a justiça humana é sempre frágil e imperfeita, porque exposta como tal às limitações e aos egoísmos pessoais e de grupo, ela deve ser exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002).
Na senda do Ano Santo da Misericórdia, saibamos com misericórdia aperfeiçoar a justiça. Misericórdia e justiça formam parte do mesmo amor de Deus. Falar da justiça divina é também, falar de perdão. O mesmo Papa, dizia que é preciso conjugar mutuamente justiça e perdão; pois, «as colunas da verdadeira paz são a justiça e aquela forma particular de amar que é o perdão». A verdadeira paz é «Obra da Justiça» (Is 32, 17). Ela é «fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma mais perfeita justiça» (Gaudium et Spes, 78).
A vergonhosa crise que o mundo ainda atravessa, deixando um rasto de pobreza, violência e desorientação, não é tão somente económica, mas uma crise de valores. A enorme falta de sentido de fraternidade e de justiça, o desmesurado uso dos bens da terra, a supremacia do mercado sobre a pessoa humana, estão na origem das assimetrias e injustiças sociais à escala mundial. O Papa Francisco na Encíclica Laudato Si’, traz à luz da actualidade este cenário infeliz: «Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afectam particularmente os excluídos. Estes são a maioria do planeta, milhares de milhões de pessoas» (LS 49). Os interesses particulares e económicos prevalecem com frequência sobre o bem comum. Mas «o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com o seu sofrimento e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado» (EG 88). É perigosa a indiferença para com o nosso próximo, porque destrói o relacionamento interior comigo mesmo, com os outros, com Deus e com a terra.
Não podemos ficar calados e inertes frente ao relativismo prático dos nossos dias, e aos mais diversos modos de egoísmo que causam a degradação ambiental e social e reduzem a pessoa a um mero objecto (Cf. LS122; 123). A questão da justiça e da paz, não diz respeito apenas aos governos, aos políticos e às organizações da Sociedade; ela é um problema que toca cada um de nós, exprime- se na relação com o nosso semelhante e alimenta-se no nosso coração. Por isso, somos todos interpelados a pôr em marcha a proposta que mergulha as suas raízes no Evangelho de Jesus Cristo: ama o próximo como a ti mesmo. O que fizeste a um dos meus irmãos mais pequeninos a mim o fizeste, disse Jesus. O reino de Jesus não é deste mundo, como nós, seus discípulos também não somos deste mundo. Estamos nele como testemunhas desse reino novo; a nossa missão é contribuir, aqui e agora, para a dilatação desse reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz. Nós cristãos, a Igreja enquanto comunidade organizada e cada um dos seus membros, somos chamados a abraçar a causa da justiça e da paz em todas as suas vertentes. Nesta sociedade com tantas desigualdades, pessoas descartadas e privadas dos seus direitos humanos, a opção pelos pobres e injustiçados é a nossa opção preferencial. O nosso distintivo principal, mais do que sinais exteriores de religião e piedade, deverá ser o compromisso para fazer emergir um mundo mais justo e fraterno (cf. LS 158).
Durante este ano, é nosso desejo que as nossas comunidades e todos nós, tomemos a causa dos injustiçados como nossa e criemos todas as maneiras da sua voz ser ouvida e a justiça ser feita. Nas orientações pastorais saídas do SAP, encontramos de maneira mais explícita o que nos é proposto fazer. Para nos ajudar a manter desperta a urgência da justiça e haver uma plataforma de diálogo regular com a sociedade, sobre esta e outras matérias que exigem reflexão, voz e impulso baseados na Doutrina Social da Igreja, vamos criar a Comissão Diocesana para a Justiça, Paz e Ecologia; é sabido que a paz interior das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum (LS 225).
Maria, Mãe do Príncipe da Paz, interceda por nós!
Mindelo, 4 de setembro de 2016 – Domingo da Canonização da Madre Teresa de Calcutá, Missionária da Caridade
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2015-16
Ousar o «olhar» da misericórdia
Queridos irmãos e irmãs!
De novo, firmes e com a graça de Deus, retomamos juntos o caminho, caminho a ser percorrido com Aquele que se identificou como Caminho, Jesus Cristo. Na força do Amor vivemos o ano pastoral que findou, fechando, assim, um ciclo de programação trienal sob o lema: Alegria de crer, vivendo na esperança, para anunciar o Evangelho do amor. Os próximos três anos têm como lema: A Igreja comunidade de amor: ao serviço da reconciliação, justiça e paz.
Na mesma força do amor, quando o Papa proclama um Jubileu Extraordinário, o Ano da Misericórdia, a Diocese propõe aos seus fiéis este lema como ideia inspiradora para o ano pastoral: Ousar o “olhar” da misericórdia. A expressão comporta dois sentidos: deixarmo- nos olhar por Deus que nos ama e não desiste de repousar sobre nós o seu olhar de misericórdia e ao mesmo tempo, sermos portadores desse olhar de misericórdia. Como diz o Papa, na bula de proclamação deste Jubileu: «há momentos em que somos chamados, de maneira ainda intensa, a fixar o olhar da misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai» (MV 3). Este ano é um tempo favorável para a Igreja, uma oportunidade para contemplar o mistério da misericórdia, o rosto de Cristo, que é fonte de alegria, serenidade e paz (cf. MV 2)
No coração do Sucessor de Pedro ecoa bem forte, o grito dos pobres que clamam por amor e justiça, pobres nas mais dramáticas formas e circunstâncias; pobreza e sofrimento que são consequências da gravidade do pecado dos homens. Mas Deus responde com a plenitude do perdão e a missão da Igreja é anunciar a Sua misericórdia de Deus.
O Séc. XXI, do qual decorreram apenas 15 anos, está marcado por inúmeras guerras, violências, execuções sumárias e indiscriminadas, o escândalo do tráfico humano, fratricídios e injustiças sociais a que assistimos, todos os dias, comodamente, nos sofás das nossas casas. A este espectáculo horrendo, o Papa Francisco tem chamado III guerra mundial aos pedaços. Infelizmente, algumas delas até são evocadas em nome de Deus.
E a nossa pequena terra, nem por isso escapa a alguns destes fenómenos de sofrimento, embora noutra escala e com aparência camuflada. A Igreja, fiel à sua vocação profética, necessariamente tem uma palavra a dizer e, mais ainda, um papel a desempenhar. O caminho da Igreja passa pela atenção e pelo cuidado amoroso aos mais necessitados e esquecidos; o nosso rosto pessoal e comunitário, deverá reflectir a luz da misericórdia divina. Como dizíamos na Carta Pastoral do ano passado: ‘De amor, é o que o mundo presente, com toda as suas ameaças e dificuldades, mais precisa. Uma Igreja solidária e próxima é o que se nos pede hoje, como no-lo indica o Papa: uma Igreja «em saída»; “Desejo uma Igreja pobre para os pobres (EG 198)’.
A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. Toda a sua acção pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia. A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo (MV 10). Este ano pastoral, nas nossas paróquias e comunidades diocesanas, com a animação dos pastores e o empenho de todos os fiéis, havemos de encontrar, certamente, a melhor forma de pôr em acção as linhas de orientação pastoral que seguem juntamente com a presenta carta. Vamos fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais (Cf. MV 15)!
Não deixaremos de ter presente a mais recente Encíclica do Papa, a Laudato Si – Sobre o cuidado da casa comum, que nos oferece uma reflexão preciosa, suscitando em nós o desejo e a urgência de cuidar melhor da casa comum. Nela há um veemente apelo à comunhão universal. As criaturas deste mundo não podem ser consideradas um bem sem dono: todas pertencem ao Senhor que as ama. Deus criou o mundo para todos e toda a história da salvação deve ser lida na perspectiva da misericórdia. A criação é fruto da misericórdia. “A misericórdia para com os famintos, os pobres e os que sofrem é a chave do céu” (Cf. LS 89.93; EG 197).
O Ano Santo terá a sua abertura em Roma, pelo Papa, a 8 de Dezembro de 2015 e nós, aqui na Diocese, faremos essa abertura oficial no Domingo seguinte (3º do Advento), dia 13 de Dezembro. Desejo para todos um bom ano pastoral e que possamos ver o rosto luminoso de Cristo em cada dia e em cada irmão!
Maria, Mãe da Divina Misericórdia, interceda por nós com amor!
Mindelo, 8 de Setembro de 2015 – Festa da Natividade da Virgem Santa Maria
†Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2014-15
Na força do Amor
Queridos irmãos e irmãs!
Depois do belíssimo ano da fé em que toda a Igreja procurou conhecer e aprofundar os conteúdos da fé cristã; após o ano transacto em que a nossa Igreja diocesana fez não só por descobrir as razões da sua esperança mas também levá-la aos que a perderam ou ainda não a encontraram, estamos agora prestes e prontos para aceitar o desafio de testemunhar o amor que nos vem de Deus – Na força do Amor vamos viver este novo ano pastoral. Ele será o último do triénio de programação pastoral particularmente centrado na vivência das três virtudes teologais: Alegria de crer, vivendo na esperança, para anunciar o Evangelho do amor.
Como o Papa Francisco na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, também afirmamos que «Amamos este magnífico planeta, onde Deus nos colocou, e amamos a humanidade que o habita, com todos os seus dramas e cansaços, com os seus anseios e esperanças, com os seus valores e fragilidades. A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos» (EG 183). Nós, como Igreja de Cristo, somos chamados a destacar-nos, sempre, na sociedade, pelo testemunho do amor, a nossa marca característica que nos assemelha com Deus.
Do amor é o que o mundo presente, com toda as suas ameaças e dificuldades, mais precisa. A beleza que salvará o mundo é o amor! Uma Igreja solidária e próxima é o que se nos pede hoje, como no-lo indica o Papa: uma Igreja «em saída» (cf. EG 20); “desejo uma Igreja pobre para os pobres (EG 198)“; uma Igreja pobre à maneira de Jesus Cristo, servo e humilde que deu a vida por amor até à morte. Só uma Igreja assim é credível no meio desta sociedade tão secularizada e que, consciente ou não, se afasta da fonte da Vida. O lugar dos discípulos de Jesus Cristo é precisamente no meio deste mundo. Uma presença que se torne fraterna, uma presença de quem se encontra disponível para acompanhar com amor.
A Gaudium et Spes, um dos mais belos documentos do Concílio Vaticano II começa assim: as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres… são também as alegrias e as tristezas dos discípulos de Cristo. (Cf. GS 1).
Cientes das nossas fraquezas e hesitações, sentimos que tal forma de amar é exigente e nos ultrapassa. Sentimos o apelo, mas também as dificuldades e a fragilidade das nossas forças. No entanto, vocacionados a sermos, no mundo, força do amor, sentimos, ao mesmo tempo, que esse amor vem de Deus, que é o próprio Deus que nos impele à missão. Deus é amor, como diz o Apóstolo, e nós somos a imagem actualizada e viva de Deus Trindade, Mistério de Amor.
É o Senhor quem nos envia hoje, com as mesmas palavras e com o mesmo ênfase com que Ele o fez aos seus discípulos: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Nisto conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 34-35).
Ninguém se considere ou se sinta dispensado desta missão de amar e cuidar, sobretudo dos mais pobres. Nós, os pastores, sejamos os primeiros a avançar e a estimular as nossas comunidades. Os diáconos, por sua vez, e em espírito de diaconia cristã, vejam neste ano uma boa oportunidade para testemunharem o seu específico ministério de amor e serviço. Os religiosos e religiosas, sobretudo neste ano dedicado à vida consagrada, mostrem a maior beleza da sua consagração fazendo da sua vida um sinal visível da caridade de Cristo, pobre e humilde servidor. Os leigos, homens e mulheres das nossas comunidades, os jovens em particular, experimentem vivamente o saborear a beleza do amor oblativo e incondicional.
Num tempo em que tanto se discursa sobre o amor (ou não), em que a palavra amor corre o risco de ser uma realidade banal pelo uso abusivo e distorcido que dele se faz, importa lembrar que «o amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: “Do amor, pelo qual uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça”. Quando amado, o pobre “é estimado como de alto valor”, e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos» (EG 199).
Encorajados na força do amor, vamos! Saiamos nem que seja ao entardecer das circunstâncias ao encontro daqueles que Deus coloca na nossa vida e na nossa cidade para amarmos. Maria, a Mãe do Belo Amor, nos acompanhe com ternura nesta missão!
Mindelo, 8 de Setembro de 2014 – Festa da Natividade da Virgem Santa Maria
†Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2013-14
Firmes na Esperança
«No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça» (1Pe 3, 15)
Amados irmãos e irmãs,
Damos início ao Novo Ano Pastoral celebrando ainda o Ano da Fé proclamado por Sua Santidade Bento XVI. Tem sido um ano muito rico, a avaliar pelos múltiplos ecos que nos chegam das diversas comunidades paroquiais, grupos e organismos. Este ano de graça continua a ser uma boa oportunidade de vigorar a nossa fé, aprofundando, celebrando e testemunhando as verdades que Deus nos revelou em Jesus Cristo e às quais aderimos com alegria. O Ano da fé veio abrir novos horizontes que a fé nos faz ver.
Motivados pela convocação do ano jubilar, decidimos definir um plano pastoral diocesano para três anos que gravita em torno das três virtudes teologais: Alegria de crer, vivendo na esperança, para anunciar o Evangelho do amor. Entramos agora no segundo ano deste triénio. Será o Ano da Esperança: firmes na Esperança é o nosso lema. Todo aquele que acredita em Deus abre-se à esperança. Rogamos ao Espírito Santo, que é luz no nosso caminho, para que Ele venha fazer crescer em nós as asas da esperança, expressão bonita que o Papa Francisco usa na Introdução à sua recente Carta Encíclica Lumen Fidei, nº 7.
O Mundo precisa de esperança para viver e para encontrar sabor existencial. Nós, os cristãos em todos os tempos, mas particularmente neste, somos chamados a levar a esperança cristã àqueles que a não têm. Cristo é a esperança da humanidade, a Sua luz brilha no rosto dos cristãos como num espelho, e estes, por sua vez, devem reflectir para os outros essa mesma luz. Inúmeras são as situações de confusão, dúvidas, incertezas, medos, desorientações, em que vivem muitos irmãos nossos. O mais fácil é atribuir isso à tão falada “crise” que infelizmente assola muitos povos e com repercussão directa no nosso país. Mas, não será certamente uma atitude cristã limitar-se a associar a nossa voz às muitas vozes de lamento, tantas vezes oportunistas e estéreis que mais semeiam a intranquilidade e a desconfiança uns nos outros em vez de ser um contributo ajustado para ajudar a resolver os problemas reais das pessoas.
A nossa fé não nos afasta do mundo nem nos faz indiferentes ou alheios aos esforços concretos dos nossos contemporâneos. «Urge recuperar o carácter de luz que é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes acabam também por perder o seu vigor» (Lumen Fidei, 4). A luz da fé é aquela capaz de iluminar toda a existência do homem; ela ilumina a vida social: possui uma luz criadora para cada momento novo da história (cf. LF 55).
Lendo os sinais deste tempo à luz da fé encontramos aqui uma excelente oportunidade de sermos portadores da esperança para os nossos irmãos a quem Deus nos envia sem cessar. O Papa Francisco, no encerramento da JMJ Rio 2013, desafiou os jovens e nós todos dizendo: “ide… sem medo… para servir”. Nas nossas acções pastorais e no nosso modo de agir, tenhamos em conta as sucessivas interpelações do Papa: é necessário ir às periferias, sair do nosso lugar acomodado e seguro para ir ao encontro daqueles que estão longe, esquecidos, marginalizados e ignorados e levá-los a esperança e o amor que nos vem de Deus. A esperança salva; somos salvos na esperança como diz o Apóstolo (cf. Rom 8, 24).
Convido-vos, irmãos e irmãs no Senhor, a ensaiar durante este ano uma Pastoral da Esperança, virtude tipicamente cristã que motiva a confiança e gera paz e alegria. Unida à fé e à caridade, a esperança projecta-nos para um futuro certo, dá-nos força e coloca-nos numa nova perspectiva de vida (cf. LF 57). Terão um lugar privilegiado no nosso coração e na nossa acção pastoral, as pessoas enlutadas e para quem a morte é um drama sem luz e um caminho sem meta, os que sofrem desconsolados e sós, os jovens e as famílias a quem falta trabalho, pão e a dignidade e que perderam a confiança na vida, os que vivem encarcerados e os doentes.
Deparamos com muitas situações de desesperança bem perto de nós: ser Igreja de Cristo é fazer tudo para levar imperiosamente luz e calor aos corações que vivem na dor e na angústia. Actuar deste modo será dar um belo testemunho de Jesus Cristo no mundo de hoje e uma boa maneira de continuar a tarefa de nova evangelização de que tanto temos ensaiado.
Maria, Nossa Mãe, dirija para a nossa Igreja o Seu olhar de esperança e nos ajude a colocar luz na vida!
Mindelo, 8 de Setembro de 2013 – Festa da Natividade da Virgem Santa Maria
†Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
CARTA PASTORAL PARA O ANO 2012-13
Alegria de Acreditar
Queridos irmãos e irmãs,
Eis que o Espírito Santo faz novas todas as coisas! Iniciando mais um ano pastoral, o Senhor Jesus que está sempre connosco, dá-nos em abundância o Seu Espírito, para a nossa renovação interior e para guiar os nossos passos. É sempre Ele que nos confirma na fé e reconduz à missão. O caminho da Igreja, o nosso caminho, é um caminho que nunca está acabado. Neste Ano da Fé, diz-nos o Papa, na Carta Apostólica Porta Fidei, que «A Porta da Fé, que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. Atravessar esta porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira» (Porta Fidei, nº1). Portanto, para todos nós, em qualquer circunstância, novos trilhos estão para serem percorridos.
Em sintonia com o Santo Padre, que proclama um Ano da Fé para comemorar os 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II e os 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, propusemos para a Diocese, viver este ano sob o lema Alegria de acreditar. Levar o nosso mundo à descoberta da fé cristã é a razão do nosso anúncio, mas para isso é necessário avivar o nosso entusiasmo para o encontro com Cristo. «O cristianismo não é obra de persuasão, mas de grandeza», afirmou Santo Inácio de Antioquia. A beleza do Evangelho renova a vida e a cultura. Um excelente contributo que podemos oferecer aos homens do nosso tempo é ajudar a compreender que pode haver um diálogo criativo e uma convivência fecunda entre a fé e a razão. Desejamos pôr o amor na vida, comunicar o amor, porque a «fé actua pelo amor» (Gl 5, 6) e no dizer do teólogo suiço, Hans Urs von Balthasar, «só o amor é digno fé».
Há que admitir que infelizmente a cultura dominante é a do vazio e do esvaziamento dos valores da família. A família, sonhada e amada pelo Criador, é sagrada. Sem ela o homem não é feliz. É gratificante notar que em algumas zonas da Diocese tem crescido o número de matrimónios. Uma família sã, sólida e estável é, sem sombra de dúvidas, uma alavanca que faz erguer a Igreja e a sociedade. A secularização do matrimónio só tem trazido consequências más para a nossa sociedade e faz comprometer a nossa felicidade. Lembremos o saudoso Beato João Paulo II, que dizia: é preciso ensinar a amar.
Há já alguns anos que a nossa Diocese tem apostado na Nova Evangelização e esta continua a ser uma prioridade para nós. O ano passado o nosso lema pastoral foi «Por uma Família Cristã e Missionária». Foi com muito agrado que verificamos que, de uma maneira geral, todas as paróquias, em todas as ilhas, viveram de modo muito intenso essa temática que na prática se traduziu em inúmeras iniciativas formativas, celebrativas e testemunhais. Espero que esta dinâmica adquirida em torno da família não esmoreça, mas que continue e se intensifique ainda mais neste ano da fé. Tenha-se em conta que a família não é apenas objecto de evangelização, mas é ela própria, sujeito importantíssimo de evangelização. Proponho que se dê especial atenção à pastoral familiar em toda a Diocese. Não hesitemos em facultar subsídios e livros acessíveis e úteis para a formação das famílias, como por exemplo: A Escolha da Família, de Jean Laffitte, nomeado pelo Papa Bento XVI secretário do Conselho Pontifício para a Família. A família, na organização da pastoral diocesana e paroquial, é um sector transversal que toca todas as realidades dos nossos fiéis.
O Secretariado Diocesano da Família pensa organizar uma peregrinação à Terra Santa, para ir em busca dos lugares sagrados onde se deram tantos acontecimentos fundantes da nossa fé. Estamos todos convidados a integrar esta peregrinação em ano tão especial. E falando de peregrinações, ocorre-me recordar aqui o convite deixado pelo Santo Padre aos jovens, para se encontrarem com ele no Rio de Janeiro nas próximas Jornadas Mundiais da Juventude – Julho de 2013. Bom seria que os nossos jovens, conseguissem, em bom número, integrar estas Jornadas, que estão a ser preparadas pelo nosso Secretariado Diocesano da Juventude.
Neste ano somos desafiados a trazer a fé para o centro da nossa vida na Igreja e no mundo. Com o Papa, desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção; seja ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia; esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Trata-se de descobrir os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada (Cf. PF nº 9). Saliento a tónica que o Santo Padre coloca na fé vivida com alegria. É um privilégio o dom da fé cristã que recebemos. O encontro com Jesus Cristo é a maior graça que aconteceu na nossa vida. Como não manifestar isso ao longo deste ano com a nossa vida pessoal e comunitária?! Estamos diante de uma oportunidade favorável para manifestar a beleza da nossa fé. Beleza em todos os seus aspectos. Iremos cuidar e valorizar o mais possível as nossas celebrações, sobretudo a Eucaristia que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (Conc. Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, nº 10). Celebrar bem, com beleza, verdade e profundidade é um fecundo meio de evangelizar e testemunhar a nossa fé. A força da Palavra e a graça do Sacramento nos enriquecem sobremaneira e faz de nós apóstolos com mais ardor e audácia. Neste sentido, e em contexto litúrgico, creio que estamos diante de uma boa ocasião para que todas as famílias se preparem para fazer em uma solene profissão de fé no seio da comunidade paroquial. (Estamos a preparar um desdobrável especial com as diversas versões do Credo para uso nas comunidades). O Papa Bento XVI propõe que nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas casas e no meio das nossas famílias, encontremos oportunidades para confessar a fé no Senhor Ressuscitado. Para tal, há que sentir a exigência de conhecer melhor e transmitir às gerações futuras a fé de sempre (cf. PF nº8).
Faremos a abertura solene do Ano da Fé na Diocese, dia 14 de Outubro, dia em que vamos ordenar cinco diáconos permanentes na zona norte de Santo Antão. Esta feliz notícia da ordenação destes diáconos e mais outros cinco (nos meses de Outubro e Novembro) para o serviço da nossa Igreja é um grande sinal de esperança e compromisso. As vocações são um dom do amor de Deus e fruto da oração e do compromisso das comunidades. Os primeiros seminaristas finalistas da Diocese regressam ao Mindelo por estes dias, a fim de fazerem o estágio pastoral em ordem à ordenação diaconal e sacerdotal que, se Deus quiser, acontecerá no decorrer deste ano pastoral. Tudo isso é motivo de louvor a Deus e estímulo para aumentar ainda mais a nossa fé. Haja mais e santas vocações, nas diversas formas de vida para a nossa Igreja.
Maria, Mãe de Deus e estrela da Nova Evangelização, Aquela que é «feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45) nos acompanhe neste tempo de graça!
Um abraço fraterno em Cristo.
Lisboa, 29 de Setembro de 2012, Festa dos Arcanjos S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael
†Ildo Fortes
Bispo de Mindelo