Sri Lanka: Igreja exige “conhecer a verdade” sobre os atentados da Páscoa de 2019 que causaram 269 mortos
Igreja do Sri Lanka pede esclarecimento total sobre os sangrentos atentados terroristas de Domingo de Páscoa de 2019.
Tanto D. Malcom Ranjith, Arcebispo de Colombo, como o padre Kaushalya, da Diocese de Chilaw, consideram que é necessário apurar toda a verdade. Ambos falaram em iniciativas promovidas pela Fundação AIS…
“Assim que recebi a notícia, dirigi-me para a Igreja de Katuwapitiya, onde a bomba tinha explodido às 8:25 horas, em plena missa. Não consigo encontrar palavras para descrever o que vi. Era uma cena sangrenta e aterradora…”
O Padre Janith Kaushalya descreveu assim o múltiplo atentado terrorista no domingo de Páscoa de 2019 no Sri Lanka, com a explosão de bombas em três igrejas e três hotéis em Colombo, Negombo e Batticaloa. A igreja a que se refere fica em Negombo. Só aí, as autoridades contabilizaram 93 mortos. No total, os atentados suicidas provocaram 269 mortos e quase 500 feridos, alguns dos quais ficaram com marcas profundas, com invalidez, para o resto das suas vidas.
O padre Janith pertence à Diocese de Chilaw, no noroeste do Sri Lanka, e pouco tempo depois dos atentados, seria enviado para França para estudar teologia catequética. Hoje é um dos responsáveis pelo acompanhamento da comunidade cingalesa em Paris. E foi em Paris que relatou o que viu quando entrou na Igreja de Katuwapitiya, mal soube de que uma bomba tinha explodido por lá.
“Corpos cobertos de sangue, uns sobre os outros, crianças a chorar à procura dos pais. Alguns tiveram mesmo dificuldade em encontrar os seus próprios filhos, porque os corpos já não eram reconhecíveis. O telhado desabou e havia sangue por todo o lado. As pessoas mortas já não tinham todos os membros.”
O testemunho deste sacerdote marcou a iniciativa Noite de Testemunhos, no final de Janeiro deste ano, do secretariado francês da Fundação AIS.
“A cidade inteira chorava e gritava sem compreender o que tinha acontecido. Nesse dia, o país estava em choque. Depois veio a raiva, que surgiu no meio do sofrimento. Foi então que o Cardeal Malcom Ranjith, Arcebispo de Colombo, desempenhou um papel muito importante para evitar que as tensões que surgiram entre os Muçulmanos e as outras religiões do Sri Lanka conduzissem a actos de violência”, disse o sacerdote.
A COMOÇÃO DO CARDEAL RANJITH
Ainda hoje, mais de mil dias depois dos terríveis atentados terroristas, o Cardeal Ranjith continua a exigir das autoridades do Sri Lanka um cabal esclarecimento dobre tudo o que se passou nesse fatídico domingo de Páscoa de 2019. Ainda recentemente, numa conferência promovida a nível internacional pela Fundação AIS, o Cardeal lembrou que o ataque foi desferido por um grupo de jovens “muito bem organizados e coordenados”, e culpou as autoridades de estarem na posse de informações relevantes sobre actividade terrorista no país, inclusivamente sobre a preparação dos atentados.
“O relatório da Comissão do Parlamento (Select Committee of Parliament) acusa o antigo presidente, o antigo inspector-geral da polícia, o antigo secretário da defesa, o antigo chefe dos serviços secretos e outros funcionários de alto nível de não terem impedido os ataques, uma vez que dispunham de informação prévia sobre eles, incluindo avisos dos serviços secretos indianos, mas não fizeram nada”, disse o Cardeal na conferência promovida, a 14 de Março, pela Fundação AIS. “De facto, o governo parece ter feito tudo para impedir a detenção dos terroristas, e há indícios de que as autoridades até queriam que os ataques tivessem lugar”, acrescentou o prelado.
Para o Arcebispo de Colombo, há um sentimento de “frustração entre o povo” que coloca interrogações legitimas sobre o que efectivamente aconteceu na Páscoa de 2019, nomeadamente questionando a falta de intervenção das autoridades judiciais que “não perseguem os que são considerados responsáveis”. Apurar a responsabilidade é um imperativo também perante a memória das vítimas dos terroristas.
No encontro com a Fundação AIS, o cardeal Malcom Ranjith chegou a comover-se, não escondendo as lágrimas ao lembrar o sofrimento causado em várias pessoas apanhadas pelas explosões. “Um homem que perdeu a sua mulher suicidou-se há três meses, deixando as suas três filhas órfãs. Outro homem, que perdeu a sua mulher e três filhos e que vivia com a sua sogra, teve de deixar a sua antiga casa e foi dormir no cemitério, onde a sua família está enterrada. Uma mulher que era professora de dança foi deixada acamada pela explosão. Ela tem um filho jovem e, entretanto, o seu marido abandonou-a, e o sofrimento que ela está a passar é tremendo”, lembrou o prelado.
Tal como o Cardeal Ranjith, também o padre Kaushalya considera que é preciso fazer-se justiça sobre os terríveis acontecimentos de 21 de Abril de 2019. “Hoje, apesar do horror desta tragédia, podemos dizer que os cristãos perdoaram aos terroristas que prepararam e organizaram estes ataques violentos. Mas exigimos conhecer a verdade do que aconteceu naquele dia. Queremos saber a verdade. Mas, até agora, o Governo do Sri Lanka não deu quaisquer respostas…”