CARTA PASTORAL PARA O ANO 2019-20
Família com Cristo sempre jovem
Estimados irmãos e irmãs!
Vivemos um excelente ano (2018-19) com o nosso pensamento, vontade e critérios pastorais voltados para a família. É legítimo e devido, darmos muitas graças a Deus por tanta coisa boa vivida nas nossas comunidades. Eu mesmo tive a graça e a alegria de participar em diversos momentos significativos em várias ilhas, a última da quais em Santo Antão (Coculi), na grande Festa / Encontro da família que juntou milhares de fiéis das 7 paróquias da ilha, alguns vindos dos lugares mais recônditos e encravados na montanha. Todas estes acontecimentos que se deram um pouco por toda a parte da Diocese, devem ficar na memória do coração para louvor a Deus e estímulo para prosseguirmos adiante.
Sublinho a dedicação colocada no cuidado e na promoção da família segundo os desígnios do Criador, encontros diversos congregando famílias, apoio aos movimentos vocacionados para a pastoral familiar, as celebrações litúrgicas e outros actos de piedade com o objectivo específico de fazer a família se encontrar com Deus e consigo mesma, as inúmeras conferências e catequeses, sem esquecer a nossa semana teológica que tem procurado ser um valioso contributo para a formação teológica e cultural da nossa gente, sempre em sintonia com o lema diocesano e contando com ilustres palestrantes (teólogos, filósofos, pastores…), alguns vindos de países e universidades do estrangeiro. O intuito foi sempre o mesmo: ajudar a família a reflectir e a encontrar bases sólidas e seguras para viver os desafios que ela encontra no mundo actual. Não esquecemos os belos momentos festivos e encontros de massa que animam a nossa fé; o estudo em grupo dos documentos de magistério que versam sobre esta temática, a promoção do casamento religioso, encontros inter-geracionais para aproximar os mais novos dos mais velhos, as belíssimas iniciativas e gestos de amor e solidariedade por parte das famílias para com as famílias mais pobres, etc.
Ainda com a família como pano de fundo temático, vamos contemplar os jovens no seio desta, da Igreja e da sociedade. O Sínodo sobre a juventude salientou que a «a família continua a ser o principal ponto de referência para os jovens». Providencialmente, temos a Exortação Apostólica do Papa Francisco, Christus Vivit, que nos aporta muita luz e belas reflexões sobre a juventude. A juventude é uma bênção para a Igreja. A própria Igreja, a família onde fomos integrados, é a juventude do mundo. Ela é a verdadeira juventude do mundo. Nela é sempre possível encontrar Cristo, «o companheiro e o amigo dos jovens (cf. CV34). Quando Ela conserva a sua intimidade com Cristo, que é sempre jovem, ela mantem-se jovem porque a juventude de Cristo ilumina a juventude da Igreja e dos jovens (cf. CV 30ss). Façamos um acto de confiança para acolher a verdade que a Exortação sublinha: Os jovens são o agora de Deus, são o presente e não apenas o futuro, como afirma o Cap. III; por isso devem ser tidos como protagonistas da pastoral juvenil e da história que queremos escrever hoje. «A Igreja precisa do ímpeto, das intuições e da fé dos jovens» (CV 299). O próprio Papa, em tom de súplica coloquial, diz aos jovens: «Por favor, não deixeis para os outros o ser protagonista da mudança!» (CV 174).
Perpassa por todo o texto aquilo que o mundo não ensina nem propõe aos jovens: os jovens devem assumir responsabilidades na sociedade e procurar viver tendo em conta os outros, numa atitude constante de entrega, de amor fraterno, generoso e misericordioso. O refrão já tão conhecido deste Papa é aqui retomado várias vezes: precisamos de uma Igreja em saída, que abrace o desafio da missão. «Êxtase» é sair de nós mesmos para buscar o bem dos outros, até dar a vida. Há que fugir da «tentação de nos fecharmos em nós, nos nossos problemas, sentimentos feridos, lamentações e comodidades» (n.163.166). Nada de jovens acomodados e que passam o tempo no sofá! Há que viver voltados e caminhando para os outros, porque só assim se chega longe. Há que ir para além do nosso eu e chegar mais além, nós e os nossos grupos (que às vezes não são mais do que um prolongamento do nosso eu (cf. CV 168). Cristo deu a Sua vida por nós no percurso da sua juventude; a sua vida e a sua entrega não foi um improviso.
E são apresentados muitos e diversos modelos de santos jovens que nos podem inspirar um estilo de vida semelhante, não imitando a particularidade de cada um, mas fazendo por descobrir o que Cristo quer de cada um de nós em cada tempo. Entre estes sobressai a figura de Maria, S. Francisco de Assis, Domingos Sávio, S. Teresinha e tantos outros cujas existências históricas se aproximam de nós. É bom afirmar que a juventude é tempo propício para fazer escolhas e bons discernimentos, mesmo diante de um mundo e de um futuro que se afiguram incertos e temerosos. Quem caminha com Cristo, deve saber-se e sentir que a vitória é certa. Podemos não saber aonde Ele nos leva, mas sabemos que Ele vai connosco até ao fim e isso nos basta e anima o ritmo da caminhada. Anima-nos as palavras do Senhor que Francisco retoma na Exortação: Ainda que todos nos abandonem, Jesus permanecerá, como prometeu: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» ( Mt 28, 20). O mal não terá a última palavra, porque o teu Amigo, que te ama, quer triunfar em ti (CV 125.162).
A Diocese deseja muito que no decorrer deste ano, possamos reinventar a nossa pastoral juvenil, dar vigor onde já existe algum dinamismo e ser criativo e audazes para lançar mão de uma pastoral juvenil séria, onde neste momento possa não existir. A própria Exortação Apostólica já nos aponta caminhos para um Pastoral juvenil sinodal, oferece linhas de acção e sobretudo desafia-nos a um estilo missionário ao jeito da Igreja que se quer hoje. No nosso contexto social, teremos de evitar o perigo de nos fecharmos nas nossas pastorais que não têm em conta os reais problemas que hoje afligem os nossos jovens, e são muitos: o desemprego e a incerteza frente ao mundo do trabalho que obriga muitos jovens a capitularem-se, a viverem paralisados e sem horizontes de esperança ou a refugiarem-se em compensações fúteis para obterem alguma sensação de realização. O pouco poder económico de muitas famílias que não são capazes de ajudar os seus filhos a ter acesso aos bens essenciais, compatível com um mínimo de dignidade, a manterem-se nas universidades; o uso abusivo do álcool e que infelizmente tem o apoio e a promoção da sociedade, de algumas instâncias de poder, das estruturas de interesses comerciais; a visão libertina da afectividade e da sexualidade originando tantas gravidezes precoces que dificultam uma planificação e organização da vida familiar e um futuro com esperança.
Frente a estas dificuldades todas e outras mais, não podemos perder a esperança na vida nem a força que nos anima. Pois das grandes verdades aos quais devemos dar crédito, uma delas é que Deus nos ama. Deus te ama muito caro jovem. Diz Francisco: «Deus ama-te». Mesmo que já o tenhas ouvido – não importa! –, quero recordar-to: Deus ama-te. Nunca duvides disto na tua vida, aconteça o que acontecer. Em toda e qualquer circunstância, és infinitamente amado… Deus sustentar-te-á com firmeza e, ao mesmo tempo, sentirás que Ele respeita completamente a tua liberdade[1].
Somos um país que tem um índice de juventude muito elevado, o que constitui uma riqueza e uma bênção, mas também algumas preocupações, frente ao cenário que descrevemos. Se a nossa juventude não for orientada para o bem, para alavancar o nosso mundo, ela converte-se num problema. E num tempo onde há muitos oportunistas sem escrúpulos, as ameaças que se dirigem a esta faixa etária são preocupantes. Muitos jovens, porque lhes falta a consistência e a solidez humana que deveriam ter encontrado na família, tornam-se facilmente vulneráveis, usados para outros interesses e manipulados por ideologias e políticas perigosas. Reina hoje a cultura do provisório, que é uma ilusão. Julgar que nada pode ser definitivo é um engano e uma mentira[2]. Bem sabemos que por trás de muitas ideologias e movimentos de alcance mundial e que se dizem modernas e defensoras das liberdades dos indivíduos, está uma intenção e um objectivo preciso de destruir a família e os valores tradicionais consagrados ao longo do tempo pela nossa sociedade. Fazer malograr o projecto de Deus para a humanidade é uma evidência que temos de ter presente. Como gostaria que os nossos jovens vivessem e assumissem atitudes que mostram que as suas vidas não têm «preço», não estão em leilão. É papel e responsabilidade da família, de nós pastores, educadores e da Igreja e da sociedade acompanhar e orientar os nossos jovens; propor caminhos seguros é um acto de amor e solidariedade.
Por isso, assumimos este ano o compromisso de fazer uma aposta séria na Pastoral Juvenil, a nível diocesano, paroquial e em todas as comunidades. O SDPJ está em fase de reestruturação e fará chegar brevemente aos párocos e às comunidades algumas linhas e propostas de pastoral juvenil para os próximos anos. O nosso horizonte desde já se orienta para a próxima Jornada Mundial da Juventude que terá lugar em Lisboa, 2022. Esse acontecimento pode ser um bom estímulo para fazer reerguer o dinamismo da juventude em todas as comunidades.
Para todos, votos de um ano pastoral fecundo. Jesus caminha no meio de nós, como fazia na Galileia. Passa pelas nossas estradas, detém-Se e fixa-nos nos olhos[3]. O Mês de Outubro com o qual abrimos o ano, este ano é o Mês Missionário Extraordinário - Baptizados e Enviados, proclamado pelo Santo Padre e promovido pela POM. O objetivo é “despertar em medida maior a consciência da missio ad gentes e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral”[4]. Trata-se de acontecimento eclesial de grande importância que abrange todas as Conferências Episcopais, os membros dos institutos de vida consagrada, as sociedades da vida apostólica, as associações e movimentos eclesiais. Que o ritmo missionário anime as nossas iniciativas e criatividade pastoral e nos encha da alegria que brota do Evangelho de Cristo, sempre jovem! Maria, modelo de juventude e nossa Mãe, nos acompanhe com a sua singela ternura!
Ilha do Sal, 15 de Setembro de 2019 - Festa de Nossa Senhora das Dores
† Ildo Fortes
Bispo de Mindelo
[1] CV, 111,112.
[2] Ibidem, 264.
[3] Cf. Ibidem, 277.
[4] Nota da POM – Pontifícias Obras Missionárias